terça-feira, 29 de maio de 2012

A bola

 

 Não é a boca grande que come, é o apetite. É uma frase que minha mãe gosta de repetir aos filhos e netos. É fácil entender o que Ela quer dizer. Acho que tem a sua razão. Podemos aplicar este principio a muitas outras coisas. Certos estamos quando concluímos que a vontade é a ferramenta mais importante. A motivação é sem dúvida uma força muito grande. Se olharmos pela nossa vida achamos muitos exemplos em que nos superamos, fizemos coisas impensáveis, que às vezes só de pensar arrepia o corpo e a alma. Mas é necessário acontecer. Permite-nos alargar horizontes, objectivos, vencer traumas, rasgar novos caminhos, afirmar-se perante nós e os outros. Isto de viver é uma luta constante. As lutas que travamos podem ser na conquista de algo ou defendendo o que já conquistamos. É importante conquistar objectivos, mas de nada serve se não soubermos guardar, defender, proteger. Por vezes temos que vir a terreno defender os nossos princípios, os nossos pontos de vista. É importante fazê-lo com convicção, saber que temos que estar preparados para tudo, mesmo tudo. Se mostrarmos medo, receio, é tudo mais difícil. Não estou a dizer que não se deva ser ponderado na medida do possível, avaliar todas as consequências reais ou imaginárias. Mas nada deve deter-nos. É necessário desenvolver  capacidades, ter uma grande auto-estima, gostarmos de nós. Cientes da importância dos outros, não menos importante somos nós. A escravidão voluntária é a pior de todas, penso eu. Eu sei que nem sempre é fácil, em  muitos momentos cairemos por terra, choraremos sozinhos a um canto qualquer, perdidos, frustrados, duvidando de tudo e todos. Mas teremos de ser capazes de aguentar esses momentos. Em pequeno era muito rebelde. Não era uma criança fácil. Fincava o pé, não era fácil "tirar baralho" comigo. Quase sempre era eu que do grupo ia à frente, dava a cara ( e muitas vezes o corpo todo). Se a bola caia no campo do vizinho lá ia eu pedir, mesmo sabendo que vinha ai raspanete. Ou quando acontecia algum exagero com alguém do grupo era eu que o levava a casa. Ás vezes vinha corrido a "toque de caixa". Nunca me esquece uma valente tareia que levei no meio do lugar, já noite, no caminho que dava para a loja do Sr. Ângelo. Dois gandulas mais fortes que  queriam que eu desistisse de "algo". Apanhei que me fartei, mas eles não levaram a melhor. E era quase sempre assim. Num  dia de Carnaval fiquei muito triste quando  acompanhava duas colegas em pleno lugar. Alguns "amigos" resolveram deitar o famoso "pó-de-arroz" nas suas cabeças. Não consegui protegê-las. Fiquei muito triste, queria antes ter levado uma tareia. Há dores que passam mais depressa que outras. As da alma são mais complicadas, doí tudo, sem sabermos aonde.
O nosso grupo era muito pacifico. Estou a falar de uma idade muito particular, o começo da adolescência. A telescola já era. Agora ou era a secundária ou o mundo do trabalho a sério. Eu ainda continuei sem guardar os livros juntamente com o Tono e o Paulo. O Zeca e  o Tino já não queriam saber da sacola para nada. Mas continuamos iguais, sem diferenças, sem barreiras, verdadeiros amigos. Gostávamos muito de conversar, organizar coisas. Alguns bailes apenas com um pequeno gravador que o Zeca entretanto tinha comprado com o dinheiro que começou a ganhar ou com a aparelhagem que os pais do Tono tinham. Eu e o Tono éramos os mais tesos. Mas nem por isso o grupo deixou de existir . Numa daquelas aventuras que fazíamos, descobrimos num armazém abandonado uma bola de "capa" que tinha o couro de fora descosido. Mas isso não tirou nadinha à grande descoberta: uma bola como a que os jogadores profissionais jogavam. Num mundo como o nosso era uma achado, um verdadeiro tesouro. Louquinhos por jogar à bola, imaginem só  o entusiasmo que nos ia na alma. Tínhamos que a recuperar. E assim foi. Num domingo, ao inicio da tarde, juntamo-nos nas escadas da capela de Santo António que fica no centro do lugar. Ali demos inicio à meticulosa tarefa de coser o couro sem furar o interior de borracha. .Eu fui o cirurgião de serviço. Agulhas, linha, tínhamos tudo, não faltava motivação. E lá se começou. Olha por aqui, olha por ali, não faças isto e mais aquilo. Todos estavam com o olhar fixo não vá alguma coisa correr mal. E não sei que tempo depois, ela lá estava, a nossa bola. Só faltava encher com a bomba de ar e ia ser uma loucura. Toca a arrumar as linhas e as agulhas, que eram mais que uma não fosse alguma partir. Alguém falou que faltava uma agulha, mas o entusiasmo era tanto que não se deu importância. Era hora de correr para um sitio que já tínhamos em mente. Nada mais, nada menos que um campo no meio da lavoeira que não estava cultivada. Ficava bem perto, junto ao olival do Martins, não lembro agora o nome. O nome sim, que todos os campos eram "baptizados". Todos tinham nome próprio, e não era para menos. Deles brotava o pão que nos alimentava o ano inteiro, com a graça de Deus e o nosso trabalho, muito trabalho. Mas eram bons campos, amigos, sempre à nossa espera, sempre lá.
À tarde foi o realizar de tantos sonhos: jogar com uma bola a sério, como os nossos ídolos. A erva pequena que cresce por ela mais parecia um relvado a sério. Uns paus ao alto faziam de baliza. A trave era o Nosso "olho " que marcava. muitas vezes a discussão era acesa:
- Entrou que eu bem vi!
- Estás maluco, ia muito alta, eu não chegava
- Saltasses, saltasses.
Mas sempre se acabava por resolver. era bem pior quando não tinha os paus na baliza e eram duas pedras no chão. 
- Entrou, entrou rentinho
à pedra.
- Não foi nada, cortou a pedra. Todos viram, não viram?
Eram tempos em que tantas pedras eram "cortadas" e acabavam sempre inteiras. Pura magia ou o uso de uma expressão que significava que a bola tinha passado por cima da pedra, que não era golo, tinha ido ao poste, se poste houvesse. E a tarde lá se esvoou. Cansados, corpos exaustos de tanto correr, chutar, defender em voos acrobáticos, que não havia igual. A noite ia-se aproximando. Era tempo de voltar para casa. Mais um domingo estava a terminar. Como eram bons os Domingos. Como era bom um tempo haver para brincar, já uns moços grandes. Quando nos preparávamos para regressar reparou-se que a bola estava a esvaziar. Coitada, tinha-se aguentado tão bem a tarde inteira. Lá íamos ficar sem bola outra vez. Será que daria para reparar? Acho que foi junto à capela que resolvemos inspeccionar de novo o interior para compreender mal fadada sorte. Bom, para espanto de todos, encontramos a agulha que estava perdida.
Nunca tinha pensada em seguir medicina, muito menos cirurgia. Portanto nada havia a temer no exercício da minha actividade profissional quando crescesse. Mas que fiquei embatocado, com todos a olhar para mim, fiquei. 
- Que foi, podia acontecer a qualquer um!
O jogar à bola sempre foi algo que movia todos os rapazolas do lugar. Qualquer sitio servia: no adro da capela, no meio da estrada que não tinha carros. Mesmo à semana, no final do dia, quando uns chegavam da escola e os outros desciam das carrinhas que os traziam da construção civil, todos se juntavam no centro do lugar a jogar. Os pregueiros nunca faltavam, a bola tinha "diabo", ia para todos os lados, ora chutado por um,  ora chutada por outro. Uma vez virou o canado do leite no quinteiro da casa dos pais do Zeca e do Paulo, que eram irmãos naturalmente. Foi o bem bonito. "A canalha não tinha mais que fazer, não andam cansados? À seus gabirus, se eu vos apanho."
Um dia também me aconteceu quando jogávamos do lado norte do adro, num largo que ali ainda existe. E foi o canado do leite que a minha mãe tinha à beira do"curral de fora". Às vezes corria mesmo mal. Mas no dia seguinte já ninguém se lembrava de nada. "Galfarros, se fosse para trabalhar ninguém ia mas para isso já não tem perna manca". Nesses tempos o coração da aldeia batia muito forte, com tantos corações aos pulos. Era um coração jovem, batendo muito alto. às vezes ainda demoro meus passos nesses locais, talvez à espera de o ouvir novamente, aquela vontade, aquele querer, aquele ser feliz com "cousa pouca".

Venham, venham comigo, vamos jogar.
Quem escolhe? Eu e tu para aqui
aquele e mais o outro acolá para ali.
vamos que se faz tarde, toca a começar.

-Com a mão não vale não, que é falta.
-Se me dás uma canelada vais no ar.
-Tá bem, vê lá,nem sabes o que levas,
seu manco, se me voltas a rasteirar.

A linguagem era quase um dialecto próprio daquela tribo de rapazolas. Cheia de termos próprios, que só nós dizíamos, só nós conhecíamos. Ainda se joga à bola. Agora o largo é um campo de piso sintético, com balizas com postes, trave e rede. O campo tem marcações, a rede da vedação não deixa a bola fugir tantas vezes. Os canados do leite há muito que perderam a asa e o fundo. Ainda bate o coração, não tão forte como o daqueles tempos. Mas ainda bate, de forma diferente, mas é tudo boa gente. Agora já não posso muito, tenho medo de me aleijar. Mas tenho muito prazer em conviver, o meu filho acompanhar e quem sabe às vezes fintar. Mas já não é fácil. Está a ficar tudo virado. Ainda há pouco era eu que o deixava passar a bola por entre as pernas para o incentivar. Agora, se me descuido, lá vem uma gargalhada marota. Oxalá que a bola nunca pare no coração da minha aldeia.


sábado, 26 de maio de 2012

Nascendo a cada instante



Poucas, quase nenhumas, são as vezes que nos acontecem as "coisas" da forma como as desenhamos interiormente. Habituado a planear, a decidir, a tomar opções, confronto-me tantas vezes com resultados nunca previstos. Sentado, ouvindo uma música que me faz flutuar: COLDPLAY concerto ao vivo, ROCK IN RIO 2011. A minha fiel companheira está no parapeito interior da janela fazendo a sua higiene pessoal: lambe, lambe, de quando em vez fica parada, só a olhar o que lá fora se passa. O dia está sombrio, corre uma aragem fria. Os ramos dos eucaliptos, dos pinheiros, das mimosas, das fruteiras do pomar, toda a vegetação se vai agitando em movimentos suaves, ora para cá ora para lá. O que espreita, o que vê, o que lhe desperta a atenção ao certo não sei. Mas gosta. Gosta muito de por aqui estar, umas vezes agitado outras apenas a observar. Geralmente adormece a ouvir a musica que eu ouço. Gosto de pensar que partilha dos mesmos gostos, que sente algo parecido com o que sinto. Gosto de pensar assim. Acho que já nos conhecemos bem.
Os animais sempre estiveram muito presente em toda a minha existência. Numa aldeia rural, vivendo de uma agricultura tradicional, minifúndio, todos os animais domésticos desempenham uma função produtiva, se assim lhe podemos chamar. Os cães guardam a casa e protegem o dono, os gatos fazem companhia e são caçadores muito astuciosos, as galinhas põem ovos, as vacas dão leite, os bois puxam o carro e lavram a terra, os porcos e os coelhos dão carne. Estamos na época das lavoeiras. É a altura em que se lavram os campos para se semear milho. Continua a ser uma aldeia. Continua a praticar alguma agricultura mas já há algum tempo que os pneus dos tractores substituíram as ferraduras dos bois. A mecanização avançou e hoje os agricultores que existem em toda a freguesia contam-se pelos dedos das mãos. Outrora fonte de sustento de quase todas as famílias, hoje os campos apenas dão trabalho a alguns. Apenas vão resistindo as pequenas hortas, um ou outro campo ainda cultivado para dar alguma coisa para casa. Existem também os casos em que a mudança não foi entendida a tempo. Os tempos agora são difíceis: sem preparação, com idades superiores a cinquenta anos, uma crise nunca vista de trabalho a nível nacional e não só. Não costumo mencionar datas, mas para que se entenda e se possa enquadrar esta visão terei que dizer que corre o ano de dois mil e doze da graça de Deus. A "malhadinha" entretanto foi dar um giro ( assim baptizada pelos filhotes devido às diversas cores do seu pelo, dando um aspecto de malhada. Como é queridinha virou malhadinha). 
No habitual percurso que faço, encontrei alguém que faz parte de um passado distante. A conversa de ocasião acontece. Mas não termina ali. Este reencontro com o passado sempre me deixa um pouco vagueando pelas memórias, pelas coisas que outrora foram. Coisas que foram o que foram, representaram o que representaram. Somos tocados de um jeito, mas não sabemos de que jeito tocamos os outros. Sem nos tornarmos transparentes, seguimos os passos que caminham sozinhos, tal a vontade de ficar mais um pouco. Tudo se envolve numa ténue neblina, quase invisível, quase intocável, mas que nos esconde. Escondemo-nos tantas vezes, mais do que sabemos. Acontece por isto ou por aquilo. Continuamos pela vida fora a brincar às escondidas. Nem sempre é fácil esconder-nos, principalmente de nós.  
 A vida não é um rio que podemos visitar sempre que queremos. Nasce pequenino, por vezes uma pequena nascente de água cristalina. Depois começa a sua viagem, a sua vida, crescendo como qualquer outro ser vivo. Por sorte ou destino, poderá um dia encontrar o mar onde adormece. Gostava que a minha vida fosse um rio. Daqueles que escavam o seu próprio caminho, que alimentam os que traz no peito e os que lhe tocam. Nascendo a cada instante, vivendo a cada passo que dá, mantendo-se eterno pela sua renovação, pela sua força incansável de seguir o seu caminho. De volta ao rio, aos locais que a memória não esquece, procuro viver novamente os momentos que há muito passaram. O rio é o mesmo, as rochas pouco mudaram. Mas eu já não sou o mesmo. À minha volta faltam muitos olhares, muitos olhos meigos que eu gostaria de abraçar. Os pés que tocam a água estão cansados. Já não há a correria, os gritos de alegria, os trambolhões água dentro. Tudo é mais meditado, menos espontâneo, mais comedido. Já sou crescido, um pouco adormecido pela vida, nas lembranças daquele rio menino quando eu era menino. Não quero ver o rio mais adiante, mais além. Só o quero aqui, pequenino, ainda menino. Não quero que ele cresça, se torne largo e fundo que ainda me afogo. Assim pequenino, este rio menino dá para brincar do jeito que eu quero. 
A ele confidencio meus segredos, em segredo, apenas tocando com o olhar a sua alma viva, cheia de vida.
Não entendo este menino que aqui ainda é pequenino e mais além, muito mais adiante, se parece comigo.
Largo e profundo, também ele esconde o que lhe vai dentro, lá no fundo. Apenas vimos o que ele nos deixa ver. Guarda bem fundo os tesouros que foi transportando ao longo da longa caminhada. Alimenta a vida no seu ventre, qual mãe aconchegando os filhos. Talvez por ser já adulto, as brincadeiras ficaram lá no alto das montanhas onde nasceu, foi menino e foi crescendo. Mais calmo, mas conhecedor, guarda e dá-se ao respeito perante os que o olham da margem ou rasgam as suas águas em braçadas fortes ou a bordo de uma qualquer embarcação. Com ele, no encontro ou reencontro no final da viagem, ficam todos os tesouros que guardou e ao mar entrega, entregando-se, qual filho saltando para os braços da mãe, onde adormece.

Aqui estás, sempre estiveste, sempre estarás.
E eu que sempre te procurei e não encontrei.
Parvoíce  de ousar pensar que querias mudar,
do teu leito te ausentares para outro lugar.

Foram longos os tempos de ausência.
A vida me levou, por outras encostas,
outros caminhos  tive de atravessar,
sem nunca de ti precisar me lembrar.

Só lembra quem esquece,
só esquece quem adormece.
Um mimo quero te fazer,
em tuas águas com o pé mexer.


Ainda bem que te encontro,
já não dava mais para esperar.
Tanta saudade, em ti quero entrar,
para  chapinhar, celebrar o reencontro.


Noutros leitos adormeci e acordei,
agora sinto por que aqui regressei.
Nunca te esqueci, sempre acordado
sempre presente meu bem amado.


Fica aqui comigo mais um bocadinho,
não me deixes agora que cheguei, cansado.
Repouso meu corpo,  numa rocha sentado,
tocando com os pés cansados a água, sozinho.

Vou-te segredando baixinho, coisas da viagem.
A viagem do menino que já foi  pequenino
mas que a vida não deixou assim continuar.
Sorte a tua, que para sempre assim podes estar.

Não mais me perderei, deixarei de te ver.
Na tua margem para sempre quero viver.
Não me deixes ausentar,  abraça-me menino
ai como eu te adoro, meu rio pequenino.


Gostaria de mostrar ao mundo inteiro que nasci numa pequena terra que não se cansa de admirar os seus rios, que nascem a cada instante. Puros e inocentes é assim que brotam do interior da terra mãe. Aqui dão os primeiros passos, muitos trambolhões e voam,  do alto da escarpa até desmaiarem em espuma no fundo da queda. Ás vezes apenas escorregam pela encosta abaixo, enchem minúsculas lagoas, e lá seguem, mas sempre pequeninos, sempre meninos.





A cascata, onde a água voa, precipitando-se desde o cimo da encosta, livre, sem receio de cair. A natureza oferece-nos coisas assim, para ficarmos apenas a olhar, a imaginar tal espírito livre que move os elementos.







Apenas tocar a sua superfície, de forma delicada, fazendo pequenas ondas que agitam, dão a sensação de movimento. Cristalina que dá vontade de beber, saciar a sede do corpo e da alma. O rio continua lá, basta seguir o seu chamamento, o seu encanto, deixar-se encantar. Nada mais simples, tocar com os dedos dos pés o elemento mais macio e refrescante que a natureza nos proporciona.














domingo, 20 de maio de 2012

Adivinha

Todos nós gostamos de uma boa anedota, uma adivinha, uma conversa mais trivial que nos remete para as coisas simples mas que sempre gostamos que estejam presentes. Uns nascem para as contar outros para as escutar. Tenho uma paixão por escutar a sabedoria popular, os saberes que marcam certas figuras típicas de todas as terras deste cantinho. Faz parte, está incrustada no ser, no viver. As adivinhas, as anedotas, os provérbios são uma identidade que continua viva no Nosso povo, o tal que lava no rio. À falta de jeito para contar, por vezes fico a imaginar, a tentar inventar.

Por todo o lado estão
Diversas no tamanho e cor.
Num canteiro ou no chão
Mas logo que as conhecemos
mudam de género, que confusão.
O que são?

Canta mas não fala.
corre mas não tem pernas.
Sobe ao céu sem asas,
desce à terra sem escadas.
O que é?

Os pés molhados, dois ou mais,
quase sempre estão.
Levam-nos de um lado ao outro,
Sem se mexer, que belas são.
O que são?

Come, come e barriga não tem.
Entra grão, sai farinha ou carolo
Gira, gira, e tonto não fica não.
Junto ao rio ou noutro lugar estão.
 O que é?

Sape, sape, sai já daqui.
Lambareiro, sempre à espreita
de um descuido, ai que canseira.
Dorme, dorme, no palheiro ou na soleira.
O que é?

De muitas cores vivas, doce e vaidosa.
Visitas num dia de sol não faltam,
nada trazem, tudo levam ou espalham.
Na primavera tudo alegram.
O que são?

Anda sempre á solta, devagar ou apressado.
Tudo sobe, tudo desce, sem se cansar.
Gosta dos barcos empurrar, dos moinhos fazer girar.
Mas quando sereno, os ramos faz "baloiçar".
O que é?

Mais do que adivinhar o que eu quero dizer, é explicar cada frase, o seu simbolismo. É muito comum na minha terra dizer-se "sape gato". O que se pretende é por o gato dali para fora, que está a incomodar ou alguma coisa a estragar. Um pouco como " xô galinha", "ei, chega-te ao carro", e tantas outras expressões que agora não lembro. Às vezes ler o que alguém escreve tem disto. Mia couto ensina-nos a não termos vergonha do nosso jeito de falar, da nossa pronuncia, dos nossos termos. Sempre serviram para comunicar, sempre foram compreendidos no meio em que vivíamos. Vem os senhores doutores lá de Coimbra, e não só, apelidarem-nos de parolos, de provincianos, de "burros", de gente sem cultura. Fiquem lá sabendo que na minha terra as "culturas" sempre alimentaram o povo, não serviram para o humilhar, o desvalorizar, xingar, a alma fazer doer. Só me sinto "burro" quando lhes dou atenção, me vergam ao chicote das leis que nos impõem. Ai se eu pudesse, com um vara de vime pelas pernas adiante, "que os tolos também se ensinam". Não me apareçam por cá, senão vai com o que estiver na mão. Seus fedelhos mimados à custa do povo que trabalha. Sois indignos de existir, tal é o vosso préstimo. " Ora e labora" era o lema de muitos frades e freiras. E assim é que devia ser. Escumalha parasita, que se alimenta do suor e das lágrimas dos que sofrem (devido à podridão dos que no poder estão). A verdadeira revolução, se um dia acontecer, brotará do povo, dos que sentem ou compreendem.  
Desculpem este desabafo, mas quando me lembro de certas coisas, chega-me a mostarda ao nariz. Acreditem, quando nos sentimos perdidos somos capazes de tudo se tivermos algo a defender, algo em que acreditamos. Nisso somos genuínos, Não dá para disfarçar, representar. Somos como somos, ainda bem.

sábado, 19 de maio de 2012

Os carreiros



Um andar mais apressado quebra o silêncio do amanhecer. Os passos ganham vida pelo carreiro estreito que conduz à presa da água. Por certo estará cheia, toda a noite a encher. O tempo, de passadas mais largas, afasta-se já ao longe. O dia vai acordar em breve. A claridade vai tomando o espaço que fora da noite ainda há instantes. A enxada ao ombro, um andar mais ligeiro e logo chego. Com cuidado se vai abrindo a torneira já bastante danificada da antiga presa. Vai-se calculando para que a água chega ao campo para se regar bem mas sem desperdiçar. O milho já está grande. Mais uma ou duas "regadelas" e já dá pão. Uma marca na fraga ajuda a ajustar a abertura da torneira da presa. De novo a enxada ao ombro, e pelo carreiro vou acompanhando o rego de água que vai caminhando também apressado nas cales de pedra que atravessam toda a "lavoeira". 
As regas sempre foram de uma importância vital para se poder cultivar a terra. Feita do mesmo jeito desde que a memória se lembra, com as galochas ou os pés remexendo a terra, a enxada controlando os sítios por onde se queria que a água caminhasse. Lembro acompanhar a minha mãe nessa tarefa agrícola desde sempre. Mas nem sempre a pertença da água era consensual. Mesmo existindo os chamados "roles da água" que ditavam os dias e as horas que cabiam a cada campo,  com as partilhas, as vendas, por vezes não ficava bem definido o tempo de cada campo. Passo a explicar com um exemplo comum: determinadas famílias grandes tinham uns tantos dias para todos os seus campos. Quando se vendia um que fazia parte do conjunto, tinha que se atribuir um determinado tempo para a rega. Como a água tinha um grande valor, era comum esses campos ficarem com pouco tempo de rega. Mais comum é saber antes da compra de um campo o tempo de rega a que ele tem direito. Isso iria valorizar ou não o campo em questão.
Os meninos sempre trabalharam, ajudando em tudo que podiam. O mundo inteiro cabia nas pequenas encostas, nos montes e campos que cultivávamos. Era um mundo cheio de tudo. Os tempos mudam. A escola, os que chegam, o que ouve e vê na televisão, criando outros mundos envoltos num certo mistério. As encostas começam a ser pequenas para muitos. Também o foram para mim. Neste caminhar menos apressado pelos carreiros do passado, escuto-me e aos que para longe partiram naqueles tempos em que nos falavam do outro lado do ribeiro, do campo mais acima, vozes fortes que enchiam de vida estes campos hoje adormecidos, sós. Os valados apoderaram-se das recordações. Queria voltar a ouvir, a sentir o cansaço dos que aqui trabalhavam. As juntas, rio-mau, campo-do-rio que era dos homens. O moinho jaz por entre as paredes que desfaleceram na solidão. Outrora com as suas Mós transformava o grão que tinha secada na eira ou no canastro em farinha que havia de ir à mesa, já amassada, cozida no forno que a lenha tinha aquecido. Por aquelas encostas meio íngremes, em carreiros cansados dos pés que seguiam caminho para baixo com o grão, para cima com a farinha que alimentaria os corpos cansados. Um alqueire ou alqueire e meio. O que o corpo pudesse arcar. Ai moinho que ai estás, ou estiveste. Como foi, como puderam te esquecer, abandonar? Perdoa-me e aos homens que fugiram, outros carreiros procuraram. Nesta visita inesperada, sinto amargura como te vejo e lembro tudo que foste. Tantas gerações alimentaste, com o teu trabalho incansável, a mó sempre a girar empurrada pela água que pelo cubo descia, qual escorrega dos miúdos brincar. A tramela só se calava quando adormecias no descanso que te davam. A ti dedico a minha caminhada pelas histórias vividas num outro tempo, mais sentido. Uma caminhada mais só do que eu desejava, mas feita em harmonia com todos os elementos que preenchem e envolvem o ar que respiro, o que o olhar alcança, o que a mente interioriza. Em paz, numa calmaria que me extasia, me arrepia. De volta aos carreiros que outrora percorri em corridas que só o vento acompanhava. Sentir a brisa cortar-nos a face, ter a agilidade para não falhar o pé, gritar e o gripo mais além agarrar. Como eu desejo acordar o povo que outrora cantava. Por onde foram todos, que caminhos estão hoje calcando? Decerto longe, carreiros menos íngremes, mais largos, menos irregulares, mas não tão belos como estes que por enquanto aqui continuaram.

A todos que partiste, onde estais?
Tão longe, que não me escutais.
Ficou  a saudade, e para recordar
as memórias que eu não quis apagar.

Que terra linda Deus criou para mim.
Pequenas encostas, todas vizinhas.
De pequenos leirotos se enchem
cultivados como recantos de jardins.

Muitas pontes as unem, estreitas
de pedra ou madeira  feitas.
É um gosto por elas passar,
ao encontro de alguém para falar.

Altiva, a olhar o horizonte que se estende
para lá das montanhas, que tocam o céu.
Serena e acolhedora, no regaço verdejante
cria pão, sacia a fome e a sede do habitante.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Menino

Um tempo houve em que fui mais leve que o ar. De estatura mediana, aspecto para o franzino, sempre acreditei que podia ser tudo, ou quase. A escola era para lá. Não me lembro se gostava de estudar Certo era o gosto pelo conhecimento. De poucos livros, caderno A4 para apontamentos, e a vida "para lá se compunha". Um tempo de "aventurismos", sem nada  objectivo para alcançar. Um tempo feito ao nosso jeito. As tribos eram diversas. Caminhavam todos nos mesmos corredores mas com sentidos diferentes. Sem grandes euforias, vagueando tantas vezes pela indefinição na preparação objectiva de um futuro diferente. Foi um pouco tarde, tarde demais, que a realidade me foi acordando. De uma forma simples e inequívoca, à medida que os anos se acumulavam, iam surgindo os exemplos práticos das minhas limitações. Falar, filosofar, elaborar teorias ou ensaios será sempre para os mesmos. Ou quase sempre. Ao longe, despido da própria pele, posso ver melhor. Só de olhar para os grupos de brincadeira ou estudo, pode-se alinhavar os conceitos mais elaborados da origem do estrato social de cada um. "Os pobres cheiram sempre mal aos ricos". Não me lembro de me faltar fosse o que fosse. Habituado desde pequeno à dura realidade de ser pobre, à luta diária de toda a família por ganhar o sustento, nunca fui de pedir o que quer que fosse. Gostava muito de ser senhor do meu nariz. Sempre o fui. Ainda o tenho. 
Da escola primária apenas lembro o período de 1974. Isto devido às novas companhias que surgiram para regalo dos olhos, da mente de menino que admirava o diferente. Rostos que o olhar tocava pela primeira vez. Foi um tempo diferente. Naquelas tardes de domingo o grupo juntava-se para ficar simplesmente a observar. Como um "bando de parolos" passávamos tardes apenas deitados na erva de um canto mais escondido a cavaquear sobre esta ou outra miúda. De um jeito inocente e puro admirávamos, idolatrávamos aqueles seres tão distantes, inacessíveis. Saboreei um pouco de tudo enquanto aluno: fui melhor da turma, fui dos piores, passei e reprovei. Fui amado e .... Não esqueço o professor que no nono ano, depois de dizer que eu tinha reprovado num exame, pedi-lhe para ver o meu teste mas foi recusado. Também lembro um professor de português que insistia comigo para eu dar mais de mim, que sabia que eu tinha para dar: porque não o fazia? Peço-lhe perdão. Lembro muitos outros, mais dos que esqueci.
Quando fui para a Telescola senti pela primeira vez que os meninos não eram todos iguais. Uns iam para o ciclo ou colégio, os outros tinham a Telescola. Situava-se na mesma freguesia mas a adaptação não foi fácil. As rivalidades antigas entre lugares acho que ajudaram para que fosse vitima de abusos físicos e não só. Foi uma época um pouco dura. Felizmente que tinha alguns bons amigos que ainda hoje o são.
De seguida a Secundária. Eu tinha onze anos quando me fui matricular. Uma pequena viagem de cerca de dezassete quilómetros mas que para mim era um caminhar no desconhecido. Nada habituado a sair do lugar, muito menos a andar de autocarro. No principio era só vomitar. Segui colegas que iam com os irmãos mais velhos que já frequentavam a escola. Os meus pais acompanhavam a vida dos filhos nestas situações à distancia, com os habituais conselhos. Não lhes deve ter sido fácil. Não poderem participar nos trabalhos de casa que os filhos traziam da escola. Não saberem ler uma letra do tamanho de uma casa. Sei que do grupo que fazia parte os pais tinham andado todos na mesma escola: a escola da vida do trabalho. . Sinto um grande vazio por nunca ter levado os meus pais à escola. Podia ter-lhes ensinado a ler e a escrever. Mesmo assim a minha escola nunca lhes fez falta para crescerem, criar família, estar de cara levantada e peito aberto a tudo na vida. Como lamento esses directores das escolas que nunca souberam interpretar as origens dos muitos alunos que a escola acolhia. Nunca se predispuseram a descer  do seu pedestal e caminhar nas origens humildes de quem sempre viveu para e do trabalho mais duro, menos reconhecido, muito menos remunerado. A minha mãe foi "servir" aos sete anos para ganhar o pão de cada dia. Tempos de quase escravatura não valesse a sorte de encontrar patrões sensatos e acolhedores. Sempre se refere aos seus patrões com muito respeito e carinho por nunca terem abusado dela e a terem ajudado a crescer de uma forma digna. Trabalhava muito, mas eram tempos difíceis para todos. Mas continuo zangado. Falta-nos tanto como povo que eu só quero chorar. Eu sei que devia ter dado mais de mim. Eu sinto que podia estar a lutar de uma forma mais interventiva para que algo de novo acontecesse. Não consigo aceitar  tanta falta de humanismo de quem tem o poder. 
Mas porque razão esses seres querem o poder se não tem alma para acolher servir os desígnios de uma grande caminhada? Quantos deixaram pelo chão apenas parta elevarem o seu ego? Saudade a minha de um tempo em que nada disto ainda sentia. Não me nego à dor de pensar, de sentir uma mordaça que me cala, me deixa sem voz. Feliz do António que tinha os peixes para o escutarem. Felizes dos peixes que o souberam ouvir, com ele estar, tão eloquente forma de a sorte aceitar e de todas as maneiras se indignar, mesmo que por" tolo" pudesse ser julgado.
Tomar a palavra de uma forma serena, elaborar um pensamento abrangente sem qualquer pretensão, é de louco.  Sair do seu canto, abrir-se ao mundo, é travar uma batalha desigual. Quero apenas o sonho do menino que era mais leve que o ar. Quero pegar pela mão o meu pai, a minha mãe, o meu irmão, as minhas queridas irmãs, e entrar no portão que dá para o recreio , antes de na sala entrar.
A quem eu decepcionei, a quem eu não correspondi, para quem eu não ousei ir mais além, fica aqui registado que eu também o sinto. Mas não quero que haja um tempo de lamentar, porque o tempo é sempre para se viver com o sonho, de se indignar com alguma realidade. Quero  ser sempre menino,  de cabelos compridos e ondulados. Não me roubem o meu menino.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Filhos e filhotes

É num misto de alegria e tristeza que vamos vivendo as mudanças da vida. Um dia após outro, muito discretamente, o quadro da nossa vida vai-se pintando. Ora de cores alegres, ora de tons mais acinzentados ou mesmo negros. Mas sem dar-mos quase por isso. É mais um dia que passa, uma semana que termina, um mês que acaba, um período que finda, um ano que já foi. Naqueles momentos que paramos, abrimos um livro da escola, um álbum mais adormecido, e deparamos com as mudanças que ocorreram. Os filhotes já há muito que deixaram o berço. Vem a saudade desse tempo envolta numa certa nostalgia. Não que nos desagrade vê-los a crescer. Só que fica a saudade de um tempo maravilhoso que nos aconteceu. Por vezes há o desejo de voltar lá, fazer mais um mimo. Fico a imaginar, a recordar, a tentar acrescentar algo que parece faltar. O modo de viver não é uniforme. Existem fases em que valorizamos muito, não nos cansamos de registar tudo para que no futuro possamos recordar quase o movimento do dia-a-dia. No entanto outras fases existem em que as nossas atenções se viram para um problema de saúde, de trabalho, de ajudar alguém que atravessa uma fase má, enfim, coisas da vida. E acontece faltar o registo mais minucioso na nossa galeria de recordações. Fico triste, mas já nada posso fazer. Daí a grande questão que se levanta na nossa forma de viver. A importância de não nos deixarmos abalar em demasia por esta ou aquela situação que se Deus quiser será passageira. Isto assim dito até parece simples de concretizar. Mas não é. São batalhas muito intensas que temos que travar para protegermos os "valores" que mais amamos. Lembro com alguma tristeza fases da minha vida em que não estive presente como desejava devido a problemas de saúde. É algo trivial, que acontece a muita gente. Por isso aconselho que, mesmo debilitados, nunca se perca uma oportunidade de estar presente, de marcar a vida seja de que jeito for.
Por vezes valorizamos mais quando o esforço é gigante. As lembranças vão se diluindo com o passar dos anos, por vezes chegamos a confundir o sonho do que foi realidade. Existem sempre momentos que se fundem de tal forma que nunca serão esquecidos. São pequenos gestos, palavras, brincadeiras que ficam vivas eternamente na nossa memória. Não guardo todas que desejava, mas as que guardo valem bem os trabalhos que qualquer pai passa para criar os filhos.
Existem momentos que duvidamos do percurso que fizemos, das decisões que tomamos, da forma que fomos educando. Sinto que em certos aspectos a nossa relação com a vida e em particular com os filhos é comparada à vida de um agricultor. Por mais que se trabalhe, que se cuide, existem muitos factores que não controlamos e que nos podem desfazer uma colheita. Se doí ver uma colheita destruída, como será ver uma vida perdida?
O amor que dedicamos aos filhos é incondicional, mas no fundo esperamos sempre colher um sorriso, um abraço mais forte, uma palavra mais cuidada, um estar presente naqueles momentos, um amparo se for necessário. É verdade, sempre que o agricultor lança uma semente à terra, deseja ver crescer uma planta com vigor, à procura do sol para se alimentar. E espera um dia colher um fruto, uma espiga, uma flor, ou lá o que ela deva dar.
Se os tempos mudam, os princípios acho que não. Embora a forma, a maneira como educamos seja diferente, tem sempre o mesmo objectivo: que cresçam fortes e saudáveis e que saibam procurar a felicidade do jeito que acharem. É importante atingiram uma boa autonomia, respeitarem valores universais, e que sejam únicos na sua forma de estar e dar-se à vida.
Nós pais, estaremos sempre cá, ou onde for preciso. No fundo não sei o que realmente queremos: se eles levantem voo ou permaneçam no ninho. É uma inevitabilidade a partida, mais cedo ou mais tarde. Que voem bem alto, que gostem de voar, e por sorte não esqueçam o caminho de volta sempre que quiserem.
- ai de mim, ai de vós que ides
  mais além, mais adiante, voando.
  A lágrima, a dor, o desejo, ficam
  guardados na alma com fé.

  Que eu possa estar onde estais,
   tocar o Vosso vento, esperando
   ser parte do todo, sonhando
   o sonho de todos os pais.
A vós filhotes que tenho eu para vos dizer?  O mais difícil é falar no tempo real das coisas. Não quero que a magia se perca, que a dor deixe de se sentir. Que Deus nos dê a sabedoria e a perseverança para o dia-a-dia. Que o futuro seja futuro. Que um dia haja uma história de vida para contarem, ou escreverem, quem sabe, cantada ao som da viola. Que seja uma bonita história para ser contada e que haja quem a escute.    
 

sábado, 12 de maio de 2012

A "nossa casinha"

-Olá, como estás? Dás-me acolhimento por esta vida? Posso entrar, arranjar um espaço para  me acomodar? Não te importas? 
-  Anda lá, não estejas com manias ou fecho-te a porta na cara. Já cá devias estar há que tempos. Andaste ao brejo, a dar água sem caneco que eu sei. Faz-me uma fogueira que a noite vai arrefecer.
 Ainda bem que todos, penso eu, adoramos a nossa casinha. O que eu chamo de nossa casa não é só o conjunto das paredes com um telhado. Em tom de brincadeira costumo dizer "não são as casas que fazem os homens, mas os homens que fazem as casas". Sei que o aspecto exterior da arquitectura, o conforto e beleza dos cómodos decorados são importantes. Mas o que mais retenho na memória, o que mais me convida a entrar seja em que casa for, são as pessoas que nela habitam. Eu sei que o facto de eu ser um ser simples de origens humildes, que levo uma vida do tamanho da minha família, muito contribua para esta forma de ver, de estar. Vem à memória as visitas que fazíamos a casa dos avós maternos. Era uma caminhada em família, descendo a encosta até ao rio que atravessávamos por uma ponte velha de madeira. O rio era ainda menino. Quase bebé. Sabia que ia-se encontrar mais adiante com outros que entretanto tinham decidido descer todos juntos o fundo das encostas. Iam-se juntando cada vez mais numa caminhada de passos irregulares: ora calminhos e serenos, ora como a canalha numa correria tal que saltavam sem medo por entre as rochas e levadas que lhes surgiam. Barulhentos, tamanha algazarra não passava despercebida. Não estou certo se este pequenote sabe o que o espera. Mas lá ia ele todo contente, e nós, do cimo da ponte, ainda parávamos um pouco a admirá-lo. Mas não nos ligava nenhum, saltitando, como que com hora de chegada marcada. Bom, também não queria que ele se atrasasse, "não vá o diabo tecê-las" e não encontrar os outros que já lá vão. Depois da ponte subíamos por uns carreiros estreitos que existiam nos campos. A subida era por umas escadas muito engraçadas que eram feitas por pedras mais compridas que saiam dos combros dos campos. Todas alinhadinhas, sem corrimão, com cuidado não vá cair. No cimo dos campos havia uma casa muito grande, de grandes lavradores, com a sua eira e o canastro. Os cães eram os primeiros a sentir que vinha gente. Já ladravam ainda vínhamos a descer a encosta para o rio. Havia sempre alguém que nos esperava com uma jarra de bom vinho que a quinta produzia. Isto é, depois de muito trabalho é que se colhiam as uvas, levavam-se para o lagar onde se pisavam e ficavam a fermentar. Só quando estivesse "cozido" é que se colocava o vinho nas pipas.
 Esta coisa das terras pequenas tem disto: toda a gente se conhece, são quase todos da família, ou mais próxima ou menos chegada, pouco interessa. Até parece que somos ramos da mesma árvore. Se calhar somos todos pequenos rios que se vão juntando na caminhada da vida. Se a água corresse ao contrário, tínhamos nascido todos no mesmo rio. Depois de contadas as novidades, lá voltávamos à caminhada. Agora mais em plano. O que eu mesmo gostava de ver eram as canas da índia que existiam num recanto da quinta, mais à sombra, onde corriam alguns guieiros de água que desciam a encosta e outros que ali brotavam da terra,à procura da luz. Sabe-se lá para brincar e continuar a descida até ao pequeno ribeiro onde iriam embarcar para a grande aventura. Sabe-se lá.
Antes de chegar ao lugar onde moravam os meus avós, ainda passavamos por um lugar mais pequeno, descíamos novamente até mais um ribeiro ( que por certo também ia se juntar à comandita lá mais para baixo, acho eu). Depois era só subir pelo caminho que dançava entre os campos de cultivo e a meio do lugar lá estava ela. Sempre à nossa espera, nunca se mudava para não ser difícil de a achar. Ficava do lado direito, meia nascida da encosta. O quinteiro era fechado. A porta estava só no trinco. Os meus pais anunciavam a chegada e lá íamos entrando. Passado uma parte do quinteiro, que era coberto, havia uma pequena clareira donde se via o sol. A cozinha ficava ao lado esquerdo. A porta estava sempre aberta para entrar o dia.Tinha um pequeno postigo para dar luz, o chão era de feito de chão.A lareira ficava do lado direito quando se entrava. Lembro da minha avó sentada junto á lareira, que mais não era que uma pedra no chão e o fumo subia até ao tecto de onde se escapulia por onde desse mais jeito. A cobertura em algumas partes era de telha e outras de colmo, que é a palha do centeio. A palha do centeio era aproveitada não só para alimentação dos animais, como dava para a cobertura das casas, para encher os colchões onde dormíamos e que todos os anos renovávamos. Já eu era um miúdo traquina e ainda usávamos esses colchões em casa dos meus pais. Nesse tempo dormia bem melhor. A minha avó guardava as caixas de fósforos vazias para me dar. Com elas ficava brincando, inventando comboios e outras aventuras. Voltando ao quinteiro, do lado direito ficava a entrada para um salão grande onde ficava a sala e  o quarto onde dormiam. O chão era de soalho e por baixo existia a adega para o vinho ( não me lembro de lá ter entrado). Nesse salão o que chamava mais a atenção era a janela que dava para o resto do lugar e uma cana da índia que meu avô guardava para a pesca no rio Arda ( o tal onde a comandita toda se juntava ). 
Não quero esquecer o chão da cozinha feito de chão: uma parte fraga outra terra que a minha avó varria para estar limpa. Não é um outro tempo, é sim um presente constante na minha vida que eu quero doar aos meus filhotes. Não existe maior tesouro que os laços de vida que nos unem, que nos fazem família.
O gostar dos aromas do monte, do rosmaninho, da alfazema, ainda continuam uma paixão. Os pequenos regatos de água fresca e transparente, os pequenos cardumes de peixes bebés que por alia se passeiam em brincadeiras. continuam a prender o meu olhar e a fixar todo a minha atenção. 
Um dia destes vou refazer a caminhada, levar os filhotes e perceber o que lhes fica na memória. Já estou a ver que vai ser a dor nas pernas" era melhor ter vindo de carro. E agora, como é que voltamos para casa?". Decerto que também ela estará sempre à nossa espera, sem se mudar de lugar para ser mais fácil de achar. Eu sinto que ela sem nós não é a mesma. Até os cães, a gata, as galinhas estão sempre à nossa espera. Basta abrir o portão que é uma algazarra. Ai se não é. Eu sei do que falo. se não acreditam, experimentem ter animais, tratá-los com carinho e vão ver do que falo.
Mais que tudo que possa ser dito, tudo na vida é o fruto do que semeámos, cuidamos e por vezes temos a bênção de colher. Se semearmos amor, tratarmos com carinho, colheremos frutos muito saborosos, que nos alimentam e saciam o corpo e a alma. Bom, está a ficar noite, vou fechar a portada e fazer uma fogueira que me está a apetecer. Boa noite.

Homenagem

Existe uma expressão popular que se usa muito na minha terra: " eu sou do tempo...". Quando alguém usa esta expressão pretende afastar-se no tempo, invocando uma sabedoria que terá adquirido ao longo da sua vivência. Não pretende considerar-se velho, apenas Homem sábio. Não pretendo contestar a expressão. Também a uso. Certa ou não faz parte de uma forma de comunicar, interagir em grupo. De que tempo somos todos nós? Acho que decerto concordará que o Nosso tempo é todo o tempo em que existimos, estamos presentes, fazemos parte, interagimos. Esse tempo é muito mais que o tempo que "somos". Talvez comece no momento em que os nossos progenitores nos sonharam, e talvez não tenha fim.... O que é que realmente somos? De certeza que um pouco de mim está ligado ao milagre da criação da vida. Todos os seres são descendentes: todos menos o primeiro! Quem foi o primeiro? Não quero ir por ai. Quero apenas sugerir que a continuidade da vida é uma sobreposição quase infinita de gerações que vão originando outras. Um pouco à semelhança de uma corda tradicional de ráfia ou outro material natural, em que os filamentos tem um determinado comprimento. O modo como são dispostos permite obter o comprimento que quisermos. Todos eles se vão sobrepondo e antes de acabar um outro já dá continuidade. Acho que posso afirmar que sou um pouco de tudo, de todos os tempos passados, das vivências, de tudo que fui capaz de absorver durante a minha caminhada até hoje. Mas não é só: eu também já sou o que sonho vir a ser, mesmo sem nunca o vir a ser. O sonho, o projecto que vamos arquitectando dia a dia, as conversas que temos com os nossos botões, e que são imensuráveis, as palavras que nunca dizemos, os abraços que nunca daremos, os beijos que nunca colheremos, os olhares que nunca veremos, as caricias que nunca sentiremos, mas mesmo assim de uma forma estranha todos estes sentidos em algum momento nos fizeram rir ou chorar, o corpo arrepiar, a alma estremecer. 
Continuo afirmando que eu sou deste tempo, do tempo em que aqui estou sentado a escrever, do tempo em que alguém leia estas frases. Eu serei do tempo de todas as gerações que eu toquei com o olhar, com a face, com a palavra, e que irão para sempre existir, enquanto se existir....
Tu continuarás a existir, nunca deixaste de existir E sabes bem que eu sou apenas um dos muitos que o afirmam, mesmo sem o dizerem, até sem o saberem. Tenho sempre saudade. Vou sempre, para todo o meu sempre, ter. Ainda continua a ser importante toda a vivência que desde pequenos partilhamos. Gerações diferentes, mas sempre ligados por laços intocáveis, indestrutiveis. A saudade às vezes doí. Não é uma dor má. É apenas uma dor, um sentir mais fundo, um vaguear sentido pelas memórias que guardadas continuaram. Gostava de retribuir um pouco de tudo que me deste, transmitiste, partilhaste, viveste de uma forma tão surreal, tão apaixonada pelo bem estar de todos que te rodeavam. De corpo aparentemente franzino, a força que sentíamos em ti sempre nos marcou. Amigo, mesmo de quem para ti não o era. Engano-me, pensando melhor, hoje acho que nunca achaste que tivesse verdadeiros inimigos, não é? Apenas algumas divergências ou conflito de interesses. A maneira alegre, descontraída com que lidavas e lideravas todas as situações da vida ajuda-me a acreditar numa outra forma de viver. Eu sei hoje que devia ter sido mais teu amigo. Devia ter dado mais de mim. A culpa não é de ninguém. Apenas achamos que a outra parte de tão forte ser não precisa também de algo. O que mais me entristece é não ter a certeza se houve algum momento em que precisaste de mim e eu não estive presente. Eu não sei se aconteceu, mas sinto que deve ter acontecido. Mas às vezes é complicado ajudar quando não nos pedem, quando estamos distraídos e não sentimos o que se passa. Ainda hoje me acontece, e vai sempre acontecer. Se algo de bom eu tenho, devo muito a ti. Sei que Deus tem cuidado bem daquele que cá ficou, de todos os outros que te foram sempre importantes. Gostava muito de um dia reunir o antigo grupo e fazer uma homenagem de reconhecimento publico não só ao amigo mas também ao HOMEM DA NOSSA TERRA. As gerações que tocaste estão gratas. Eu estou-te grato. Não encontrei outra forma de te homenagear, apenas te recordando enquanto estas linhas escrevo. Mais do que descrever o passado, quero apenas lembrar os valores que sempre representarás. Felizes os que são tocados por tão dignificantes valores. A amizade, o respeito, o carinho, o empreendedorismo, a coragem, o caminhar de forma altiva perante tudo na vida: nas alegrias e nas adversidades foste sempre alguém presente, não te renegaste a nada, chegaste sempre à frente sem medo, sem receio, expondo muitas vezes a própria integridade física. Mas estavas tu sempre para tudo, para todos, com todos. Desejo um dia reencontrar-te, quando esse dia chegar.     
                        
 Até sempre tempos de uma guerra calma.
 Até sempre amigos que sempre o serão,
 mesmo os que na santa paz já lá estão.
     
 p.s. - Ao meu eterno amigo "Júlio Domingos"  ou "Júlio Fundões", termo que faz alusão à casa de que somos: ele era da casa " Domingos". Já agora eu sou da casa " da Joana". De onde vem este tipo de apelido é uma outra história, talvez para se contar um dia, quem sabe.... No meu lugar existem muitas "casas". Hoje as casas não tem nome, tem numero.... Vou  hoje mesmo dar um nome à minha casa. Não a quero ver a viver sem nome, sem identidade.  Vou baptizá-la na graça de Deus. Não sei o que lhe vou chamar, mas sem nome  não há-de ficar. Escolherei o mais florido, o mais colorido, de tal maneira que à noite ao Luar faça companhia.(" quinta do passarinho do monte da serra" em homenagem ao vizinho e ao sitio onde está).

quinta-feira, 10 de maio de 2012

A desfolhada


A desfolhada

Durante o dia se apanham
bem maduras elas estão.
À noite desfolhá-las vão.
Família e vizinhos se juntam,
e em redor delas vão cantando
Coisas da vida, numa canção.
Uma a uma para o cesto atirando
Que de seguida para o canastro vão.
Quando termina, o descanso apetece.
Para a despedida vinho e pão
a todos se oferece.
A desfolhada é uma actividade rural que consiste em tirar o "folhelho" que envolve a espiga de milho. Futuramente vou colocar uma foto que ilustra melhor para quem nunca tenha participado numa. Nos meios rurais essa actividade fazia-se à noite, juntando as famílias do lugar. Digo fazia-se dado estarem a desaparecer devido às mudanças que estão a acontecer: o abandono da prática da agricultura de forma tradicional. É relativamente fácil ouvir falar desta tradição: eu vivia. Os meus pais ainda fazem uma ou duas desfolhadas por ano.A entre-ajuda sempre foi fundamental para que as pequenas comunidades rurais sobrevivessem ao longo dos séculos. Ter o canastro ou espigueiro cheio representava pão para a família para o ano inteiro. Os termos que uso são os tradicionais. Podem não estar em nenhum dicionário escrito mas fazem parte do universo em que nasci, cresci e desejo estar.

As palavras


Poema sobre as palavras

As palavras servem para comunicar.
Muito cedo desde pequeninos vamos ouvindo.
Por todo o lado elas estão,
Escritas faladas ou numa canção.

Com elas tudo se faz
Ou muitas vezes se desfaz.
Umas amorosas outras cruéis,
Faladas ou escritas em papéis.

Todas arrumadinhas elas estão
Dentro dos livros, ou não.
Podem levar a viajar, ou sonhar
Ou simplesmente fazer chorar.

Com mestria sabem os escritores
Usá-las como ninguém
Numa história ou poema
Que no papel fica gravado.

Como o mar, quando agitado
Elas podem ferir ou matar
Mas quando calmo e sereno
A bom porto nos pode levar.


As palavras

As palavras existem, são reais
Suaves como uma brisa ou fatais.
Vivas ao saltitarem da nossa boca
Ou adormecidas nas paginas de um livro

Ganham vida ao serem lidas
Como flores de um jardim colhidas.
Falam disto, daquilo ou daqueloutro
Ditas por mim, por ti ou por outro.

Meigas ou cruéis elas podem ser
Conforme a intenção que se tiver.
Com palavras as descrevo
Nestas linhas que escrevo.

Que bom que é brincar
Com palavras sem magoar
Quietas ou saltitando numa canção
Quando todos repetem o refrão.

Tantas, que não são contadas
Umas formais outras inventadas
Para sempre existirão
Dentro do nosso coração.

Agradecimento: às duas filhotas que por acaso tem a mesma idade.

terça-feira, 8 de maio de 2012

Trabalho sobre Mia Couto


António Emílio Leite Couto, mais conhecido por Mia Couto, biólogo e escritor de profissão, nasceu a 5 de Julho de 1955. Nasceu em Moçambique na cidade da Beira, capital da Província de Sofala, sendo filho de portugueses.
            Os primeiros poemas publicados datam de 1969,ou seja, tinha apenas 14 anos. É hoje visto como uma referência na literatura africana e mundial. É considerado um dos melhores escritores africanos do século XX.Com os seus livros ganhou vários prémios, destacando-se o livro “Terra Sonâmbula” que é considerada um dos doze melhores livros Africanos do século XX.
         Mia Couto usa na sua escrita uma linguagem muito rica em neologismos. Ou seja, gosta de “inventar” palavras. O significado dessas palavras “inventadas”  é de fácil compreensão para o leitor, tornando-se um pouco uma das suas marcas pessoais.
         As suas obras reflectem muito toda a sua experiência de vida, muito diversificada e ligada ao conhecimento. Numa breve análise à biografia vemos que começou por estudar medicina, seguiu-se a actividade jornalística em vários campos, acabando por tirar o curso de Biologia na área de Ecologia em 1989. Durante todo este percurso de vida nunca abandonou a escrita, sendo ela uma paixão constante (nos vários géneros).
         Escrita essa que se encontra hoje traduzia em várias línguas, e com um número considerável de leitores amantes da sua escrita e da sua forma peculiar de comunicar. É hoje o escritor moçambicano mais traduzido e divulgado no estrangeiro. Em Portugal já vendeu mais de 400mil exemplares o que demonstra a progressiva adesão dos leitores às suas obras.
         A maneira como escreve reflecte muito a sua ligação à Vida, à Terra, às Raízes, às tradições, aos mitos e lendas, às memórias que todos os povos possuem. Não é em vão que ele diz que “cada homem é uma raça” ou “cada velho que morre é uma biblioteca que arde”. Mesmo tendo uma escrita de fácil leitura, é muito rica em simbolismos e com mensagens intrínsecas muito complexas revelando a sua ligação pessoal e profissional à Terra, à flora, à fauna, e aos povos que nela habitam conseguindo estabelecer ligações de culturas milenares com os meios de conhecimento actual e diagnóstico actuais. Revela uma vocação e génio natural para assimilar na sua escrita o Homem e a Terra como algo inseparável, presos por um cordão umbilical em que o bater do coração é único.   



Identidade
Preciso ser um outro
para ser eu mesmo
Sou grão de rocha
Sou o vento que a desgasta
Sou pólen sem insecto
Sou areia sustentando
o sexo das árvores
Existo onde me desconheço
aguardando pelo meu passado
ansiando a esperança do futuro
No mundo que combato morro
no mundo por que luto nasço


Mia Couto





1 – Com isto entendo que o poeta necessita de viver várias realidades para saber quem realmente é.
2 – Com a expressão “Sou grão de rocha” o sujeito poético assume-se como parte integrante de algo maior. Se o grão é o indivíduo, a rocha irá simbolizar a sociedade no seu todo. O erosão provocada pelo vento é a mudança (erosão). Podemos comprovar essa força abrasiva através de alguns textos sobre a sociedade actual. De autoria de Mia Couto. Textos esses que emitem uma opinião muito critica sobre os valores que actualmente se defendem na nossa sociedade.
6 – Ao analisar a última estrofe concluo que num mundo em que o poeta não se identifica, que combate, não consegue viver. Na sua obra literária, no mundo criado pelas palavras e ideias que defende, ele nasce como poeta e estadista do seu tempo.
Analisando formalmente, é de realçar a irregularidade métrica e estrofica. O recurso a algumas figuras de estilo, como as metáforas, ou a anáfora nas 2º,3º,4º estrofes…

è Este mostra-nos que podem existir diversas mensagens dentro de uma simples frase.


Conclusão: Eu escolhi este poema porque gosto muito dele. Numa linguagem simples ele deixa-nos a pensar. Isso é que é a verdadeira arte. A interpretação e valoração do sentido do poema saem do domínio do poeta e passa a ser algo único em cada leitor. Quero com isto dizer que cada um de nós deve ter a sua interpretação própria e única. Espero que tenham gostado não só de o ler mas de o interiorizar, imaginando todos os sentidos que cada estrofe possa ter.   


O Gato


Poema

Sempre que chego a casa
Devagar abro o portão
E logo a correr vem
O meu amor do coração

Todos os dias se repete
Mas nada é igual.
O seu olhar pedindo carinho
Logo, logo está no meu colinho.

Então meu branquinho fofinho
Como é que te correu o dia?
Nem palavra nem miar
Apenas me fica a olhar.

No meu colo ronronando
Faz-me pensar e acreditar
Que amar é gostar
Sempre sempre cuidando.

Vida


Vida

        Com esta evolução da sociedade, a população tem tendência a aglomerar-se nas grandes cidades. O êxodo rural está a aumentar. As pessoas abandonam as aldeias à procura de melhor qualidade de vida. A maior parte dos cidadãos associa melhor qualidade de vida a mais dinheiro. É verdade que o dinheiro pode dar-nos muita coisa. Mas nem sempre mais dinheiro é sinónimo de maior qualidade de vida.
        Se eu pudesse desenhar a minha vida, que quadro pintaria? Não estou certo ainda dos elementos a colocar na tela. Os tons que escolheria para os encher de vida. Talvez ainda seja cedo para saber, perceber, conceber um sonho completo.
        Vivo numa aldeia. Gostaria que ela fosse a minha cidade, cheia de gente… Não quero sentir que um dia me vou sentir só, numa aldeia vazia. Será que um dia a vida me levará para longe da minha aldeia? Resistiria, sentiria saudades? Ou apenas seria mais uma folha que o vento levou? Onde estaremos todos nós daqui a alguns anos?
        Todos temos sonhos guardados dentro de nós. Pequenos tesouros que tentamos esconder, até de nós próprios. Por vezes temos a coragem de os trazer á luz do dia e lutar por eles. Na maior parte das vezes acomodar-nos ao que a vida nos dá. A mensagem de Deus é clara: Não devemos enterrar os valores que ele nos deu. “Todos temos um dom”, como alguém um dia me disse. Oxalá cada um de nós descubra o seu, e o saiba valorizar e usar em seu proveito e de toda a Humanidade.
        Longe ou perto, dispersa ou num aglomerado, que a nossa vida tenha momentos de muita felicidade e que o tempo não apague as cores quentes da aguarela que vamos pintando.


Agradecimento: ao meu filho que me deixou participar na elaboração deste texto que ele apresentou para a catequese. O texto é dele com a minha participação como pai e amigo, numa conversa de sofá.

Sociedade Consumista


Sociedade Consumista

Somos uma sociedade consumista, pois, toda a nossa vida, somos incentivados a consumir cada vez mais. Isto acontece porque o nosso sistema económico tem por base o consumo em massa. Para isso contribui muito a publicidade cada vez mais astuta, levando-nos a consumir o essencial e o supérfluo. Basta imaginar-mos a quantidade e diversidade de produtos ao nosso dispor. O Ser Humano nesta ânsia consumista não olha aos desequilíbrios que provoca nos recursos naturais. Tudo para satisfazer qualquer necessidade ou desejo por ele criado. 
Com o aumento sucessivo do consumo, existe um rápido desenvolvimento da economia. A procura constante gera um aumento na produção. Sendo assim existe pouco desemprego, os produtos alimentares e não só estão a preços mais acessíveis, fazendo com que haja maior qualidade de vida para as famílias.
No entanto, nem tudo é um mar de rosas. Será que no mundo existe algo que possa estar em constante crescimento? Então porque é que a sustentabilidade do nosso sistema económico assenta nessa premissa?
Passo a explicar com um simples exemplo: Se uma empresa produz 100 cadeiras por mês, e vende outras 100, tudo certo. Mas a sociedade não vai ter sempre esta necessidade sucessiva de cadeiras. E vamos chegar a uma altura em que o consumo de cadeiras vai baixar. E a empresa talvez só venda 50 ou 40 cadeiras por mês. Como em qualquer empresa, esta tem de manter o lucro. E para que tal aconteça começa a reduzir a produção e consequentemente o quadro de pessoal. Isto origina desemprego, e consequente diminuição novamente do consumo. E o ciclo repete-se até a economia bater no “fundo”. O que os economistas chamam de crises cíclicas.
Com o analisar da História, verifico que durante a vivência humana em sociedade mais complexas, este fenómeno sempre existiu. É um pouco controverso dizer isto, mas depois das grandes guerras assistiu-se sempre a um grande renascer das economias. Temos o exemplo claro do Japão. De um país arrasado pela Segunda Guerra Mundial, é hoje um país próspero com uma economia forte a nível mundial.
Sempre existiram períodos muito prósperos seguidos de grandes crises económicas. Até parece que a Humanidade está condenada a este fado eternamente. É estranho pensar que a minha vivência esteja directamente relacionada com o ciclo económico. Com dezasseis anos sinto e vivo condicionado com as consequências da grave crise económica que atravessamos. Sinto pessimismo e um stress constante nos progenitores pelo medo de perder o emprego e a família passar por dificuldades. Vivo condicionado pois as minhas escolhas não podem assentar só na minha vontade. Por exemplo, se eu um dia escolher um curso na Universidade, não posso pensar única e exclusivamente na minha vontade, mas também nas saídas profissionais para o futuro.
A sociedade tem este sistema económico porque para agora não existe outro que se possa considerar uma alternativa. Será que algum dia vai existir um sistema assente num crescimento sustentável e equilibrado? Não sei…, mas eu gosto de pensar que sim.