domingo, 22 de julho de 2012

" Desacreditando "

     
  ( Largo de Santo António, conhecido como " adro da Capela". Hoje diferente, muitas memórias ali continuam vivas, em mim. )           


Decerto já lhe aconteceu dizer uma frase da qual não tinha dúvida alguma, e ser confrontado com um argumento que jamais havia imaginado. Fica-se por momentos sem ar, sem sequer saber como se respira. Mas é apenas um momento, o tempo de interiorizar toda essa nova informação, como quando se dá uma queda e logo nos levantamos. Apressados, sacudimos as palmas da mão que foram as mais sacrificadas. De imediato procuramos contra-argumentar, ou pelo menos explicar o porquê da nossa forma de ver a situação. É bom ter alguém que nos faz pensar mais um pouco, faz sentir que temos de estar atentos e prudentes. Gosto de ter a minha opinião sobre quase tudo que se passa. Tenho por hábito, bom ou mau não sei, o de relativizar tudo em função do que acho que conheço. Um pouco como quem aprende a fazer as contas de somar, subtrair, multiplicar ou dividir. Acho que consigo fazer todas as contas que me coloquem, que consigo entender tudo, opinar sobre todo e qualquer assunto. Tento sempre arranjar forma de estar à altura dos desafios que surgem. Mas também sei que é uma mera ilusão. Sei que se sabe quando as situações me ultrapassam, estão para além do que possa compreender. Nessas alturas remeto-me para um certo silêncio, escuto e procuro entender. Muitas vezes não concordo, não visionário dessa forma de sentir as coisas, mas no silêncio fico por não saber argumentar o meu desacordo sobre a posição dominante. Tantas vezes argumentando interiormente, guardo para dentro para mais tarde voltar a reflectir sobre esse assunto. 
Não considero obrigatório ou essencial pensar ou agir como as maiorias. Mesmo sendo a parte mais pequena, menos forte, não tenho por hábito entregar os pontos, erguer a bandeira branca. Talvez seja um pouco casmurro no pensar, no viver. Poucos exemplos temos na actualidade que nos arrebatam, nos levem de corpo e alma a segui-los, a defender a sua causa como cousa nostra. Agora tenho um grande dilema que não consigo resolver. Como me encontro sozinho a escrever, apenas como companhia a musica, não posso afirmar de todo se estou a ser correcto na avaliação que faço, ou simplesmente parcial dado não me incluir em tal elite. Quero apenas dizer que tenho dúvidas quanto ao que penso sobre o verdadeiro valor das pessoas que comandam o mundo. Tudo a todo momento se orienta por uma determinada hierarquia. Mesmo no caos, determinadas leis estão presentes. Dá-me a entender que a anarquia não existe. Acontece muitas vezes um desfasamento entre vários mundos, várias realidades. Vejamos os casos mais abundantes que são o de desordem publica. Enquanto as forças policiais tentam segurar, chamar ao seu mundo que dominam, as multidões, estas teimam em fazer valer uma nova hierarquia. Hierarquia essa que se revela em quem ousa ser o mais destemido, o mais ousado de toda aquela agitação que domina o coração dos revoltosos. Conflito entre dois mundos opostos. O equilíbrio que existe entre as forças intervenientes vai fazer depender a duração deste aparente caos. Mas nada mais é que uma discrepância entre realidades, como um degrau, uma camada da crosta terrestre que se parte e se desnivela da anterior realidade, do anterior equilíbrio. No caso dos revoltosos levarem a melhor, a hierarquia que se irá estabelecer será diferente da anterior, mas irá ter regras, não iguais mas existirá sempre uma hierarquia. Como é natural, a "moeda" adoptada será diferente, própria desse novo "reino", decerto à semelhança dos seus Reis. Os valores com que se regem serão diferentes, talvez antagónicos aos da hierarquia aniquilada. Isto porque as revoltas sempre se fizeram com a camada inferior a querer virar o contrário. Um pouco como quando se lavra a terra para uma nova sementeira. A camada superior irá ocupar a inferior e vice versa. Os mais rezingões serão donos deste novo caos que obedecerá a novas regras, a novos valores.
Mas seja lá qual for o novo equilíbrio, irão suceder de um lado ou do outro os que não se conformando, dão o corpo e a alma em defesa do que acreditam, do que julgam ser o melhor. Decerto "pouco espertos" ao enfrentarem tamanho adversário, tal inimigo, sucumbem quase sempre, tornando-se eternos mártires para aqueles que fazem parte da sua "aliança".
Sempre tive um certo receio das revoluções, dos momentos em que existem duas realidades desniveladas, à procura do equilíbrio, do novo equilíbrio. Neste espaçamento do tempo, das mudanças que vão acontecendo, existe uma hierarquia diferente, os valores para se manter vivo são também eles diferentes. O caos surge nos instantes em que há o colapso de uma das estruturas, de todos os valores que são aniquilados pela força dominadora, por quem tem o poder e o usam como a lamina de uma espada para decepar as cabeças dos que se lhe opõem, dos que lhe fazem frente não só com o seu corpo, mas com a sua alma. Um pouco à imagem do que acontece quando existe um cataclismo natural e determinadas espécies da fauna e flora desaparecem  no momento em que se dá, ou por inadaptação à nova realidade,  por inexistência de "espaço" para a sua existência, o mesmo acontece na selva das civilizações humanas. Existem muitas "espécies" que não se adaptam, não aceitam o novo equilíbrio.  Para elas será o fim. Algumas, mais astutas, como que hibernam, esperando o momento certo para novamente se libertarem, semearem o caos em busca da mudança, de uma nova hierarquia estabelecerem. Ao longo da história conhecida sempre assim foi. Por mais ou menos tempo, determinadas hierarquias desapareceram, dando lugar a outras. No fundo o mundo terá sempre os seus Reis, os seus Imperadores, os seus Ditadores, os seus Presidentes, os seus Homem Santos, os seus Líderes e nunca faltará a " camada inferior".  

segunda-feira, 16 de julho de 2012

Sem liberdade




A noite traz o frio, como há muito não se sentia.
O corpo e a alma cansados, aconchegam-se.
Apenas um recanto encontrar para descansar
da jornada longa que foi o dia, que está a findar.

Um pouco mais adiante talvez se encontre
tão desejado refugio para, todo enroladinho,
o corpo e a alma juntos, sem nunca se separar,
irem por fim poder um pouco descansar.

Depressa que se faz tarde, que se faz noite fria.
O caminhar frágil arrasta os trapos que cobrem
a pobre criatura que a noite acolherá, escondida,
para ali ficará enquanto a dores adormecem.


Deseja mais que nunca que algo aconteça,
de bom, de reconfortante para a dor aliviar
do dia que foi longo e penoso, que adormeça,
quero que não mais sofra a dor de assim estar.

Ao certo por certo não sei que me aconteceu.
Sei que o que não sei me aflige, me atormenta.
De uma vontade tão destemida de nada valeu
contra o infortúnio, toda a maldade da tormenta.

Sempre me dei ás causas em que acreditei.
Nada de mim resta de tudo quanto perdi,
alguém tirou, alguém destruiu tudo que eu vi
sem nada conseguir, me defender, definhei.

De uma tristeza tão envolvente como o manto da noite,
assim me sinto por dentro e por fora, enquanto respiro
para a dor parar de sentir, para me libertar a espada retiro
que nunca ousei empunhar por nunca acreditar no açoite.

Quero a sorte poder mudar, de tão infame destino fugir.
Serão os mais simples e crentes os mais sacrificados?
Mundo perverso este que alguns ousaram construir
para má sorte dos amantes da liberdade, mal amados.

Sinto uma dor no peito e na alma que não finda.
quero tanto adormecer, buscar um novo dia de paz.
O frio me envolve, ainda me sinto a respirar, ainda,
por quanto tempo mais? A alma parece que aqui jaz.

Se eu ao menos conseguisse me libertar,
mesmo sem forças para lutar,seria livre.
Pediria ao Sol que aquecesse os meus dias,
a Deus que saciasse o meu corpo e a alma.

Não mais teria desejos de ostentação
coisas que só aos hipócritas servirão.
Uma tigela de sopa, um bocado de pão
junto à lareira, junto ao amor no coração.

Mas descanso nem tréguas existem
para quem se denunciou na bravura
escrita ou falada, a tudo que vida tem,
por vontade ou descuidada loucura.

Não certo do sofrimento da vivência
ergui bem alto a palavra da indignação.
Sinto, num agora constante, a humilhação
dos que sofrem o ímpeto da prepotência.

De todo o tempo vivido
a tal nunca tinha assistido.
Ser senhor da sua pobreza
da mesma forma da nobreza.

Do nada já nem senhor sou.
Nem a paz existe na pobreza.
Escravo sem correntes, estou
ciente do toda a minha fraqueza.


domingo, 15 de julho de 2012

A estrela mais distante






A musica, sempre a musica. Desde os tempos em que o tempo começou, sempre a musica, sempre os sons, os ritmos, o conseguir estabelecer uma harmonia que nos toca, nos faz desviar o olhar na sua direcção. Um pouco à semelhança de um qualquer outro flash que surpreende o olhar, nos faz parar, fixando nosso olhar como se nos partisse em dois, enquanto o corpo segue numa direcção o olhar fica preso, fazendo a cabeça rodar até ao limite. Uma flor mais bela, uns olhos tão intensos, umas feições de rosto e corpo que nos sufocam. Mal conseguimos respirar, quase nos esquecemos de respirar. A nossa natureza é sempre um mistério. Não sei dizer, estabelecer uma fronteira entre o que é genético e o que é aprendizagem. Será por exclusão de partes, por afinidade, por instinto, por tudo que fomos aprendendo, moldando, um tomar de posição, uma escolha, uma forma intrínseca de estabelecer a escolha mediante padrões já interiorizados, uma carência de algo mesmo que momentânea, um desvario da mente, uma fuga por não se querer mais o mesmo caminho percorrer. De que forma for, o certo é que acontece. Não dá para percorrer as cinco etapas do método cientifico, nem voltar a repetir só para confirmar. Somente acontece, acontece sempre que acontece. Não existe nenhum bloqueio interno que nos permita anular esta reacção, este instinto, penso eu. Mesmo que exista nunca o vou activar por minha vontade. Anseio sempre que os elementos me surpreendam, me prendam o olhar, a alma, tudo que em mim existe.Gostaria de  Caminhar sem me preocupar com que acontecerá ou não. Vou estabelecendo pequenas metas para me manter motivado, desejar a outra margem quando desta me cansar. Para a alcançar farei o que tiver que fazer. Existem as pontes, mas nem todos os rios as tem. Umas margens são mais chegadas que outras, por vezes quase se tocam para logo de seguida, mais adiante se afastarem por vezes até já não se verem. O que as afasta será o caudal, a dimensão que o rio entretanto toma? Ou será simplesmente pela forma da seu leito que isso acontece? Poderemos dizer que por mais que se afastem existirá sempre a camada submersa da crosta terrestre que as une? Não haverá decerto uma divisão física total. Mas este afastamento pode ditar muitas diferenças na fauna e flora que nelas irão habitar, fazer a sua vida junto a cada margem. Sempre gostei de rios pequenos, ainda meninos, daqueles que nascem pequeninos. Será um pouco por temer me afogar em grandes leitos, sem o fundo se ver. Será de certo mostra de grande coragem em águas profundas mergulhar, sem medo, aceitando todas as tormentas que dai possam vir. Um pouco como não hesitar numa aventura entrar, sem conhecer, sem nada garantido, com o futuro futuro, desconhecido até ser vivido. Na ,maioria das vezes os pequenos planos do dia-a-dia ou da semana servem para preencher, manter motivado. Há no entanto muitas vezes uma sensação de que não chega, de que mais valia arriscar mais, ter forças que cheguem para mais outra demanda querer. Quando somos jovens é mais fácil. Se somos despedidos logo estamos a laborar noutro local. Se a namorada nos deixa, após algum sofrimento estamos de volta ao mundo dos que eternamente se apaixonam. Com muitas mudanças vividas já não é assim, pelo menos para mim. É mais fácil extravasar esses sentimentos nas linhas que, sempre que me apetece, escrevo. Gosto sempre de o fazer ouvindo sons que decerto existem desde o inicio dos tempos, mas de certeza agrupados desta forma única que eu adoro. Os concertos ao vivo são os meus eleitos. Talvez porque sinta necessidade de me sentir rodeado de uma multidão anónima que solta gritos de euforia, de uma forma única, sem se preocupar com formalidades, pois naqueles momentos tudo é possível, tudo é socialmente aceitável. Um pouco à semelhança de deixarmos os nossos instintos mais primitivos do que somos origem libertarem-se, funcionando a musica como uma poção mágica que nos solta do corpo, do peso da nossa vida diária. Somos livres de voar pelos céus, mergulhar nos oceanos mais profundos, correr sem nunca nos cansar pela maior pradaria que se possa imaginar, sempre, sempre, por todo o sempre que será aquele instante. Um pouco assustador de pensar, mas quando acontece é assim, deixamo-nos possuir pela magia, desejamos que assim aconteça, necessitamos que esses momentos existam sempre. Não é uma dependência, mas antes uma natural necessidade, igual a tantas outras, como respirar. Mas voltamos sempre ao sitio de onde partimos, de onde o nosso corpo nunca saiu. Mas seremos muito diferentes quando regressamos, nem que seja apenas por um breve instante.

Parado, em frente a ti me inclino. De joelhos por terra, o tronco curvado, apoiado nas palmas das mãos, na tua face fixo o olhar. Desejo contemplar o meu reflexo, sentir a forma como me vês, pois em águas tão profundas tenho medo de mergulhar. Se ao menos eu soubesse, houvesse alguém que me ensinasse a forma de não me afogar quando em ti me aventurasse. Não encontro nem coragem nem quem me ensine, apenas me resta em ti o meu rosto contemplar, pois já há muito que deixei de avistar a outra margem. Ao certo não sei a vegetação que a cobre, a fauna que a percorre, como serão os dias e as noites por lá. Decerto não muito diferentes das desta banda já que da mesma água bebem, do mesmo sol se alimentam. Serão por certo as mesmas estrelas que contamos quando a noite é transparente, podendo ver-se o seu leito todo coberto de luzes que brilham ao nosso olhar, umas agrupadas outras mais dispersas. Tantas que não consigo contar, apenas sei que brilham ao olhar, ao nosso olhar. Naquelas noites, que são dias com uma luz diferente, mais ténue, mais intima, o coração e alma baloiçam nesse jardim Celeste, que fica além, agarrado ao nosso olhar quando no chão nos deitamos e apenas só a Ele contemplamos, querendo mais que tudo ver o nosso reflexo neste oceano de luz azul calmo e frio,  que se estende desde a nossa face até à estrela mais distante.

domingo, 8 de julho de 2012

Descobrir o caminho



Não consigo deixar a vida somente continuar. É certo que a vida sempre continua, mas não a quero deixar assim tão distraída. Ela, a minha, já é uma mocinha grandinha, com idade para ter algum juízo. Não a quero muito sisuda, apenas ajuizada, brincalhona o quanto baste, e por vezes vou deixá-la andar um pouco distraída para que não se aborreça comigo, nem eu com ela. Bem, a continuar assim parece que já não sei o que quero. Sim, afinal o que quero? Para aqui a tentar alinhavar ideias, definir um caminho a seguir, e nada consigo. Umas vezes quero pegar na velha mochila e partir sozinho à aventura. Uma aventura qualquer, daquelas que eu costumava fazer quando o mundo ainda era outro, menos pesado, menos apertado. Era tão simples essa vida. Sem medos, sem receios, lá ia o menino serra da Freita acima. A viagem era pequena, mas era como se entrasse num universo tão diferente, tão próprio de montanha alta e majestosa. O caminhar por espaços infinitos, descobrir este ou aquele pormenor para fotografar. Sentia-me bem, não tinha hora para voltar. Tantas vezes a noitinha é que me dizia que estava na altura de a casa regressar, para o aconchego da casa dos pais, a refeição já pronta, a cama me esperando para adormecer comigo. A minha forma de viver na altura era peculiar. Estudante, trabalhador sempre que dava em casa dos pais na agricultura, ou tantas vezes por conta de outrem para ganhar alguns tostões que tanto jeito faziam durante o tempo de aulas. As "férias escolares" eram apenas um tempo diferente. Nunca fui a qualquer lado, viajar, ficar um tempo fora. Quase todos os meus amigos por aqui sempre estiveram, sempre ficaram. Quando se é pobre é bom existirem muitos pobres em redor. Assim somos todos iguais, nunca estamos sós. Não sei o que pensa ao ler estas frases, mas continuo a dizer que é bom ter pobres em redor, não foi distracção no escrever, no pensar. "Afinal de contas", compreende ou não o que quero dizer? É assim que eu penso, que eu fui feliz e eles também. Hoje temos casa, carro próprio, uma série de mordomias e que tempo passamos juntos, nos divertimos? Eu sei que a vida é outra, mas não tinha que ser necessariamente assim. Eu não me estou a queixar, apenas não encontro jeito de argumentar, mostrar para você que existem muitas formas de ser feliz, de estar em equilíbrio, de nos sentirmos saciados no corpo e na alma. Quantas  vezes passamos de carro e vimos alguém a pé, num dia de chuva e vento. O primeiro pensamento que nos vem à cabeça é " pobre coitado". Mas porque é um pobre coitado? Por não ir no conforto de uma viatura? Mas será tão trivial assim este opinar como verdade absoluta? Tantas vezes já sai por ai a caminhar, mesmo com chuva e vento, querer sentir a força da natureza, envolver me com ela, a água tocar no  rosto, tão fresca, tão pura, nascida lá no alto, junto aos anjos, junto à morada dos Deuses. Como sinto inveja daqueles que enfrentam os elementos, tem coração e força para pedalar, correr e saltar. Como me sinto livre quando o faço, sem motores a incomodar os ouvidos, apenas ao vento gritar o mais alto que poder.
Quantas vezes nos meus passeios pela quinta me deparo com tantas formas de vida que por ali habitam. Fico a pensar como é que eles conseguem viver, sobreviver no meio de tantas incertezas, tantos perigos que os rodeiam. Não tem casa com tranca, são tão frágeis ao meu olhar, como podem eles andarem por aqui desde muito antes de existirmos. Existe uma passagem na Bíblia que diz mais ou menos isto:" - Olhai os lirios do campo, como eles crescem: não trabalham nem fiam e eu vos digo que nem mesmo Salomão, em toda a sua glória, se vestiu como qualquer deles~". Todos compreendemos esta frase ao olharmos com atenção a vida na natureza. Eu sei que nunca vou compreender tudo, mas gostaria de saber encontrar o equilíbrio nas coisas simples, ser feliz com coisa pouca, fazer os meus felizes assim, desse jeito.

sábado, 7 de julho de 2012

Acompanhando





Uma nova geração, outra forma de viver, outra forma de estar. A expressão " no meu tempo não era nada assim" repete-se sempre na observação que uma geração anterior faz à nova. Sempre foi assim e decerto assim sempre será. Os meus pais sempre diziam que a infância deles tinha sido muito difícil, em resposta às nossas reclamações do mau estar disto ou daquilo. Estou um pouco limitado ao fazer algum juízo de valor em relação "à geração dos meus filhos", à nova geração que me sucede. Acho que um pouco por entender bem o que lhes vai na alma. Eu também já vivi esse tempo, já fiz as minhas criticas, as minhas birras em relação à geração dos meus pais. E agora, qual o meu papel, que posição devo tomar? Não é muito simples. O que me preocupa não é uma observação de mero comentador alheio às circunstâncias da acção que se vai desenrolando. Eu também sou parte da mesma. Devo sempre usar o meu conhecimento em prol do futuro que é a cada instante. Decerto que é natural que eu me englobe, que deseje toda a prosperidade também para mim. Observo, ouço, tento fazer um paralelismo naquilo que eles talvez sintam do que eu um dia senti. Afinal o ser humano não muda assim tanto de uma geração para a outra. O sonhar, o ambicionar ser feliz são constantes eternas, como se de uma formula de matemática se tratasse.
Hoje a música não deixa de ser música, a dança não deixa de ser expressão corporal, o estar de cada um será sempre singular. O que me preocupa é quando vejo alguém "à parte", só. Ai tocam os sinos a rebate, aflige-me a alma e o coração. Detesto, não quero nunca que aconteça. Que devo eu fazer, que devo eu dizer? Uma conversa trivial para tentar quebrar o gelo, tentar entender qual a génese do problema, se é que existe problema. Por vezes é normal alguém gostar de estar só, viver um universo um pouco diferente da maioria. Mas preocupo-me se esse isolamento não é voluntário, se é uma forma de demonstrar desagrado por algo, um chamar de atenção, ou mais frequente ter sido marginalizado pela tribo dominante. Muitas vezes acontece, vezes de mais, mesmo que seja apenas uma. Eu sei que a perfeição, a harmonia, o pleno equilíbrio nas relações sociais é uma mera utopia. Mas vale a pena estar atento e agir em tempo próprio quando detectamos que algo não está bem. Pelo menos podemos atenuar muitos possíveis danos. Há marcas que ficam para sempre, dificilmente as ultrapassamos completamente. Com isto viajo um pouco no tempo, lembrando um pouco do que já passei. Mas não é só o que já passei, é muito mais o que ainda tenho para passar. Não vivo obcecado com essa preocupação, mas sempre fui um pouco como a formiga. Existe um tempo para semear, um tempo para cuidar, um tempo para colher, um tempo para guardar e todo o tempo é tempo de gastar. Fácil é perceber que em termos de unidade de tempo, o de gastar é imenso. Se não formos paulatinamente construindo algo sólido, estável, é de esperar grandes dificuldades no pico do inverno das nossas vidas. Eu sei que talvez não exista a eternidade nem nas palavras nem nas obras. Não é certo que quando semeamos iremos um dia colher. Mas temos de acreditar em algo, ter alguma fé. Se assim não for, para que vale objectivamente todo o nosso esforço diário para produzir, fazer parte do activo e, acima de tudo, criativo de factores positivos.
     A festa foi simples. Começou ao fim da tarde e prolongou-se até ao iniciar do dia seguinte. Houve muita dedicação para que nada faltasse, todos se sentissem bem. Cada um é uma parte activa, tem que fazer por se integrar, estar em grupo, socializar. Às vezes é um pouco difícil agradar a todos. Mas o objectivo é sempre o de cuidar de todos da mesma forma, talvez mais os que precisem de um "empurrãozinho". Ao principio fiquei um pouco assustado com a ideia. Pensava que o tempo iria fazer-me a vontade, estava enganado. Não houve maneira de desistirem, sempre todos os dias me lembrando. O fim de tudo foi quando começaram os preparativos a sério: o convidar dos amigos, as compras. Já não havia nada a fazer. O tempo não me escutou, preferiu ficar para ver o que tudo isto iria dar. Um pouco malandro, como aquele que gosta de ver briga e nada faz para mediar o conflito entre os colegas, aguardando pelo "festim". Não o levo a mal, não estou zangado com Ele. apenas tenho que cuidar de mim, descobrir o meu papel e interpretá-lo à altura. Hoje já tudo passou. Acho que gostei, que as coisas correram normais. Gostaria de olhar diferente para o futuro destes jovens, da minha família, de mim. Por muito que já tenha feito, não é hora nunca de se parar. Há sempre uma colina mais adiante para trepar, ver o que do outro lado vai, que rios lá correm, quem lá mora. Não é tempo de esmorecer, de se dar por vencido. Decerto mais umas passadas todos seremos capazes de dar, até ao cimo da encosta, e por certo de lá avistar novos horizontes. Do que precisamos todos é de sair deste fundo de vale onde nos encontramos e só vemos o céu escuro que tapa a saída lá no alto. Temos que trepar toda a encosta, nem que se fique com os dedos em carne viva, romper os calos dos pés nas pedras ásperas que teremos de transpor. Mas havemos de lá chegar, havemos de descobrir novos horizontes para onde iremos dirigir nossos passos, todas as nossas forças. Deixaremos bem para traz este momento de angustia, de medo, de incerteza. Serei capaz de acreditar? Se o conseguir nada deterá minha caminhada. Por favor, vamos todos acreditar. Acreditem que quando acreditamos realmente em algo, nesse mesmo instante "ele" já está acontecendo.

quinta-feira, 5 de julho de 2012

Dormindo

O velho álbum há muito que não se mexia. Com o passar do tempo ficou cada vez mais parado, mais quieto, arrumado a um canto. Houve um tempo em que nada disto era assim. Um pouco cansado das mudanças, para ali se deixava estar. Já não tinha a destreza de um outro tempo. Não é fácil aceitar este abandono. Não muito desgastado nas páginas, que amparam cores de um outro tempo, de um outro mundo, de rostos e sentires distantes, ali continuava o seu repouso. A capa continuava dura, guardando com todo o seu vigor memórias que alguém um dia ali tinha deixado, esquecido. Não sabia ao certo o que guardava, mas fazia-o sem hesitar, sem questionar. Por vezes o seu sossego era importunado por mãos já um pouco tremules. Não se desfazia em emoção por alguém lhe dar um pouco de atenção. Mantinha-se como um verdadeiro Senhor, sem descompustura. Deixava-se levar para um canto qualquer da casa, onde se abria ao olhar de quem no colo o segurava. Umas vezes dava para espreitar um pouco da luz que pela janela entrava, ali ficava. Outras era a luz que pela janela se esquivava. Mas sempre dava para sentir vida na luz que lhe iluminava a alma. Umas vezes mais demoradas as vistas, outras nem tanto. Por vezes adormecia  numa página onde o olhar se demorava, se inquietava, se comovia. Se se pudesse olhar por dentro, ao certo saberia encontrar aquelas memórias que faziam alguém se demorar tanto. No início lembra-se muito bem, eram tantas as mãos que o abriam, olhavam-lhe a alma, sempre um pouco apressadas.
Foram tantos os sorrisos que sentiu em redor, tanta correria, alguns trambolhões, pequenos arranhões, uns tantos rabiscos que lhe fizeram cócegas. Nada disso se comparava ao tédio que era agora a sua vida. Nunca imaginara que iria sentir saudades desses "maus tratos". Ao certo não entendia o porquê de não quererem visitar os tesouros que haviam ali guardado. Teriam esquecido, já não existiria alguém que lembrasse? A velha estante continuava no mesmo sítio. De uma madeira um pouco envelhecida na cor, estendia-se por toda a parede da divisão do escritório, quase tocando o tecto. As portas, as mais de cima, tinham um vidro transparente para que todos se olhassem, se vissem. Passava o tempo a espreitar o que por ali se passava. Agora eram aquelas máquinas em cima das secretárias que colhiam todos os olhares, todas as atenções. Se ao menos pudesse gritar.
Suspirava tantas vezes no receio de nunca à "vida" voltar, de nunca mais sentir de perto um bater de um coração... E como queria tanto partilhar toda a sua alma. Sentia uma enorme tristeza, assim, sem ninguém para lhe tocar, acariciar, pegar entre as mãos, abri-lo à luz, ora em cima de uma mesa, ora pousado junto ao colo, adormecido sobre uma almofada, sempre de coração aberto. Mas de certo não será sempre assim, acreditava ele. A esperança, o acreditar que um dia iria ser diferente, mantinha a sua alma viva, embora quase hibernando por uma estação mais longa que as da natureza. Não seria o calor, a chuva, a neve ou qualquer outro fenómeno da natureza que o iria trazer de volta à vida. Seria a procura, o querer de alguém reencontrar-se com os seus tesouros esquecidos, adormecidos, que ali permaneceram durante todo aquele tempo, imutáveis. Essa necessidade de tocar o passado, olhar uma luz que ilumine a caverna já muito escura das recordações, do passar da vida. Ao tocá-lo, junto ao colo abrir-lhe a ama, iria avivar todo um outro tempo que estava adormecido, um pouco como a chuva alimenta e faz brotar a vida que no chão se esconde, se abriga, está adormecida. Haverá um tempo em que seremos todos álbuns adormecidos. Desejamos que a sorte nos abençoe, nos traga a "chuva" que nos alimentará de novo, fará brotar as sementes adormecidas dos ensinamentos apreendidos, dos sorrisos e choros contidos. Que sejamos como aqueles álbuns que guardam uma vida de recordações, tesouros apenas por certos olhares colhidos, compreendidos. E assim, mais uma vez, adormece, com este sonho, um pouco inclinado para não tombar.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Sem assunto



Tocam baixinho os tambores da revolta. Bate-se em retirada, procurando abrigo, refugio deste infame ataque. Despido de qualquer defesa, clamo aos Deuses ajuda. Nada nem ninguém me pode valer. O coração já não sabe o jeito que deve bater: ora apressado, ora quase parado. A angustia toma a alma de rompante, o corpo à muito que está prostrado por terra, indefeso. Como foi isto me acontecer? Nem tempo há para fazer perguntas, quanto mais esperar a resposta. Corro enquanto posso, procurando algo que me acuda deste tormento que sobre mim desabou. As palavras de coragem e ânimo que um dia proferi a outros, já não as entendo, não as compreendo, não as ouço sequer. A existirem seriam mera retórica de quem  nada tem que fazer. De que me bastam nesta hora perdida, de suplicio  final? Ou será o prenuncio de um final que está para breve? Se eu alcançar aquele monte mais adiante, talvez possa encontrar algo, alguém que me defenda. Despiram-me, crucificaram-me no calvário das imposições feitas por quem tem o poder. Por que só faz quem pode, quem tem o poder. Mas que raio de poder é este? Onde estes loucos foram investidos de tal força, de tal poder? Blasfémia aos que sempre lutaram contra as trevas, este poder que aniquila a simples condição humana de existir. Às armas, grita-se baixinho, apenas um sussurrar, um falar para dentro. Não há forças para lutar. Poucas para respirar. Incrédulo assisto ao meu martírio de nada conseguir fazer. Para que poupo este resto de forças? Porque não as lanço numa derradeira batalha, numa ultima tentativa de algo mudar? Porque fui eu aqui plantar todo o meu amor, todo a minha dedicação? Porque fui acreditar que apenas basta amar para se ser amado? Existe sempre alguém que não consegue dizer a verdade, alguém que apenas sabe magoar. Se os meus sonhos apenas do vento precisassem para se mover, do sol para se aquecer, da chuva para se saciar. Ai se os meus sonhos sonhados  fossem, adormecia aqui mesmo, eternamente. Se coragem houvesse para não temer tudo perder.
Foi mais um dia que passou apenas porque tinha que passar. Vão-se amontoando os exemplos de pura violência psicológica à minha volta. Os actos mais bárbaros tornam-se rotina dos senhores do poder. Sem alma, sem respeito, sem consideração por quem quer que seja. Vazios de valores humanos, lançam o terror naqueles que simplesmente a vida querem levar, de uma forma simples e singela, apenas conservando a sua  integridade moral, a sua liberdade. Tanta  ingratidão para quem sempre tudo de si deu. Porque tem que ser assim?