segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Os pinheiros


Muita sabedoria popular se manifesta em pequenos provérbios. São na sua maioria pensamentos ou ensinamentos ditos por quem da vida tem grande experiência e sabedoria. Muitas vezes em pequenas frases ou versos que geralmente rimam. Gosto de os ouvir, procuro entendê-los. Uns mais simples que outros, são conhecimentos que não se devem menosprezar. Lembro um que acho muito engraçado e que me suscitou a vontade de contar uma pequena história que nada tem a ver com a mensagem que fica dele. O provérbio é mais ou menos assim: “ não se deve morrer de véspera”.
Como é fácil perceber, o autor aconselha-nos a não nos precipitar, a aguardar com paciência mesmo que a situação nos pareça não ter solução. Não sei o porquê, mas sinto que devo partilhar consigo uma pequena história que para ser fidedigna ao tempo da acção ainda não devia ser escrita ou contada. Não é um morrer de véspera, é apenas escrever o que daqui a algum tempo acho que alguém a iria escrever, com quase toda a certeza. E ela começa assim:
- “ Daqui a algum tempo, não sei precisar ao certo quanto, irá um homem pelos montes que circundam o seu lugar, com um saco às costas na ansia de o trazer para casa cheio de pinhas. Sai bem cedo, pela manhã ainda fresquinha, para não apanhar o calor. Habituado aos costumes da casa de seus pais, é como a pequena formiga que labora de verão para ter que comer no inverno. O saco de sarapilheira é bastante grande. Prevenido, não vá aparecerem muitas, resolve levar mais um para não faltar. Com um passo largo, lá irá ele todo entusiasmado, lembrando os tempos de miúdo quando fazia esta tarefa com os pais e os irmãos. Bons tempos, dirá ele para com os seus botões enquanto que se dirige  para as tapadas que em redor do lugar ficavam. Será tanta a alegria interior que o senhor não caberá em si de contente. Entrando pelos montes dentro, não para de pensar, recordar aqueles tempos em que disputavam as pinhas no intuito de encher o saco primeiro que todos. Bons tempos, continuará ele murmurando com todos os botões. Sempre olhando para o chão, espreita por entre o mato tentando encontrar alguma. Mas as pernas vão ficando cansadas, o tempo passando, e nada de pinhas. Estará confuso, que diabo é que tinha dado para as pinhas se sumirem todas. Se calhar alguém na véspera se terá antecipado. Mas porra, como poderiam ter apanhado todas? Alguma coisa não estava certa, pensava ele sem tirar os olhos do chão, ansioso por achar a primeira pinha. Exausto, desanimado, desiludido, decide descansar.   Senta-se numa pedra maior para comtemplar o Céu e pedir a Deus ajuda para compreender o que se passava. Tinha tirado o fim-de-semana para regressar à aldeia e fazer aquelas pequenas coisas que em miúdo lhe davam tanto prazer. Não conseguia compreender o que se passava.
É então que já mais calmo começa a olhar o monte com outros olhos, já distantes do sonho que trazia na mente, que o não deixava ver a realidade. Com grande espanto se levanta e olha em volta: tudo igual, todas as copas das árvores iguais, como se tivessem sido podadas pelo mesmo podador. Não se conformando foi correndo a todos os cumes dos montes em redor: tudo igual. Estaria a sonhar? Podia ser verdade?
Mas era verdade sim. Os montes que outrora conhecia vestiam-se hoje de uma vegetação tão diferente, toda alinhada como se de uma companhia de soldados se tratasse, todos em fileira, alinhados pela frente e pelos lados. Mas não eram pinheiros, não senhor. Eram eucaliptos a perder de vista. O mistério estava infelizmente resolvido. Sentiu um grande arrepio na alma. As lágrimas tomaram-lhe o rosto, escorrendo devagarinho pela face cansada e desolada. Cabisbaixo dirigiu os seus passos na direcção da casa que outrora o tinha acolhido tantas vezes com o saco cheio de boas pinhas, todas abertas, todas novinhas, depois de bem abanadas para deixar os pinhões espalhados pelo chão para germinar, outros pinheiros crescerem. Habituado em pequeno a tanta diversidade de árvores, via agora este “exército” tomar-lhe os sonhos, tomar-lhe o reino que outrora era de tantos.”
 E esta será a história do senhor que um dia irá apanhar pinhas tão distraído que não repara que os pinheiros há muito que tinham partido. Esta será a história que iria um dia contar devido ao que se passa junto a mim, em quase toda a floresta. O desbaste é geral, quase total. Um dia irei sentir a falta de árvores majestosas, daquelas que não conseguimos abraçar sozinhos. O Homem na avareza de colher tudo o mais depressa que pode, nada deixa para o futuro, para as gerações vindouras. As máquinas entram pelos montes tal carros blindados destruindo toda a vegetação que cobre o chão. Todas as árvores são cortadas para em seguida se escouçar a terra e fazer plantações de eucaliptos que é o que está a dar. Todo o mundo sabe os malefícios de tal prática mas ninguém faz nada. Metem-se dentro dos seus gabinetes e assobiam para o lado. Ninguém se quer incomodar. Eu também não me quero incomodar, tal como os pinheiros, os carvalhos, os sobreiros e tantas outras vizinhas.
Se os senhores que tomam conta dos nossos destinos ao menos gostassem de apanhar pinhas, talvez nada disto viesse a acontecer. Costuma-se dizer com ironia que o melhor é mandá-lo apanhar pinhas. Se tiver tempo acho que vou apanhar um cesto delas e oferecer a quem de direito não vá acontecer como ao senhor da história. E’ um pouco como aquele ditado que diz: “ não há pinheiro sem pinhão, pinhão sem pinha e pinha sem pinheiro”.

O pequeno tesouro de Inês


Vou-lhes contar uma pequena  história que se passou com uma menina chamada Inês. Inês era uma menina muito dócil que vivia numa pequena cidade. Morava num prédio amarelo com muitos andares. O seu apartamento era o primeiro a contar das estrelas. Tinha uma vista esplendorosa que dava até ao mar. Adorava brincar na sua varanda cheia de flores. No seu bairro existia um parque muito bonito onde costumava passear com os seus pais e brincar com os  amigos. No seu apartamento havia peluches espalhados por todos os cantos. No seu quarto a cama tinha uns lençóis rosa com muitos bonecos desenhados e alguns armários de madeira. Nesses armários estavam vestidos, camisolas, calças e sapatos não esquecendo as meias ás riscas que tanto adorava. Ela tinha uns olhos pequenos, azuis como o céu. O seu cabelo era loiro como a areia da paria onde adorava brincar. No seu quarto existiam montanhas de colares feitos com os búzios que ela recolhia nos seus passeios pela praia. Naquele fim-de-semana o tempo estava óptimo.
-Mãe, pai, vamos à praia.- disse ela correndo para o quarto dos pais.
-Então que se passa?- respondem os dois ainda ensonados.
-Toca a levantar, quero ir à praia bem cedinho para apanhar os melhores búzios e as melhores conchas.- disse ela entusiasmada.
E assim foi. Todos se levantaram e tomaram o pequeno-almoço. Foram a pé, porque a praia era perto. A manhã estava agradável e o mar sereno. Inês correu adiantando-se aos pais, queria ser a primeira a apanhar os búzios e as conchas que durante a noite o mar tinha ali deixado espalhado, depois de tanto com elas brincar. Ao caminharem ao longo da praia, Inês tropeça num pequeno fio. Com a sua curiosidade natural, de imediato começou a puxá-lo tentando descobrir o que estava na outra ponta. Desenterrando-o. Encontra uma espécie de amuleto. Esse amuleto era uma concha com a forma da lua. Inês ficou muito entusiasmada e foi logo contar aos pais. Guardou a concha com se de um tesouro se tratasse. No final do dia depois de mil e uma brincadeiras com os amigos que durante o dia foram chegando na praia, chegou a hora de regressar a casa. A Inês não parava de admirar aquela concha que parecia mágica. Quando chegaram a casa, foram preparar o jantar. Inês estava cansada e queria apenas ir para o seu quarto admirar a concha. Já com o pijama vestido e sem nunca largar o seu tesouro, adormece a sonhar com ele. 

A Marta



A Marta era uma criança muito amorosa que adorava animais. Com os seus sete anos, tinha um corpo franzino, os olhos castanhos e pequenos. Tinha o cabelo preto com uns lindos caracóis. Adorava que a sua mãe lhe fizesse todas as manhãs uns totós. Só usava meias às riscas que podiam ser de variadas cores. Vivia com os seus pais à beira de um rio com um enorme jardim onde costumava brincar com os seus vizinhos. No seu quarto havia muitos espelhos e bonecas espalhadas por todos os cantos. Naquela noite o vento soprava muito forte. Ela adormeceu cedo no quentinho da sua caminha. Na manhã seguinte acordou cedo. Era um dia de Outono e chovia muito. Ao espreitar pela janela do seu quarto viu uma pequena tartaruga. Parecia estar aleijada. Não pensou em mais nada senão ir socorrê-la. Vestiu-se à pressa com roupa muito quentinha, correu para a mãe e contou-lhe o que tinha visto.
-Mãe, está lá fora uma tartaruga- disse ela preocupada.
-Calma, primeiro toma o pequeno-almoço que eu ajudo- respondeu a mãe tentando acalmar a filha.
A Marta, um pouco amuada, fez-lhe a vontade. Rapidamente tomou o pequeno-almoço na ânsia de ir ajudar a pobre tartaruga. Juntamente com a mãe foi buscar uma caixinha e, depois de bem agasalhados, meteram-se à aventura. Lá fora fazia chuva, frio e muito vento. Era preciso tomar cuidados para não adoecerem. Ao chegarem perto da tartaruga, viram um animal assustado e em sofrimento. Sem pensarem duas vezes colocaram-na na caixinha e regressaram a casa rapidamente. Já no quentinho junto à lareira, observaram melhor o que se passava com ela e então descobriram um espeto na sua patinha direita. Com muito cuidado, a  mãe depois de ter ido buscar o estojo de primeiros socorros, começou a tarefa delicada de lhe tirar o espeto. A Marta estava ansiosa e preocupada. E enquanto fazia mimos à pequena tartaruga ia conversando com a mãe e pedindo-lhe para ela não magoar a sua nova amiga. Tudo correu bem e era visível a alegria da tartaruga. A Marta insiste com a mãe em ficar com ela a mãe explica-lhe que ela tem de viver ao ar livre. Então surgiu a ideia de a colocar no lago que existia no jardim. Assim a Marta podia visitá-la todos os dias.    

domingo, 19 de agosto de 2012

Para ti,...



Desejo sentir-te, ouvir os teus segredos. 
Com um olhar dou-te a mão, o coração.
Serenamente caminhamos, sem medos,
conversando sem palavras, mão na mão.

Sempre houve um tempo só nosso,
um universo repleto de cumplicidade.
Olhares profundos, a alma tocando.
Sentindo o desejo, te  abraçando.

Sei que o tempo vai-se esvoando
por entre choros e risos, vivendo.
Uma pequena história vai ficando,
partilhada, tantas vezes sofrendo.

Uma dor que se quer sentir,
um abraço antes de partir.
Sempre fica mais do que parte,
sempre fico, quero amar-te.

De pequenos e grandes tormentos
dia e noite tantas vezes se revelam.
Será culpa da vida esses momentos
de receio, o sentir dos que amam?














Quem conta um conto,...



( Cruzeiro, simbolo da religião católica - em frente à Capela de Santo António - lugar das Agras - Freguesia de Mansores - Concelho de Arouca )


Falar sobre os sinais dos tempos sempre foi algo que me despertou muita curiosidade. Sempre que o faço muitas dúvidas me surgem. Tenho por hábito procurar nos escassos conhecimentos que tenho da história mais recente, algo parecido, algo que aparentemente já se tenha passado, em tudo semelhante ao que se vive hoje. É sempre um passo no escuro fazer uma espécie de “colagem” das soluções achadas nesses tempos para resolver problemas iguais ou em tudo semelhantes. Fácil é compreender que o que lemos ou estudamos do passado é um registo de Homens. Por esse facto, a informação que adquirimos é simplesmente a visão de quem relatou esses acontecimentos. Por muito imparcial que o “historiador” ou o “cronista” do passado tenha sido, nunca deixará de ser a sua percepção dos acontecimentos que presenciou ou que obteve informação. Encontramos com alguma facilidade relatos muito diferentes deste ou daquele acontecimento. Sei que na maioria dos casos não houve intenção de deturpar a realidade, apenas o “contador” relatou, anotou os factos que para si suscitaram maior interesse, foram mais marcantes. A associar a tudo isso, estamos muito dependentes da mensagem que ele nos queria transmitir. Por vezes determinado acontecimento apenas serve como catalisador para exprimir as suas teses, serve de pano de fundo ao cenário que pretende elaborar. Dito isto desta forma fica no ar a suspeição de toda a história que está narrada em todos os livros ou outras formas de a transmitir. Basta pensarmos num acontecimento que está hoje a acontecer e colocarmos dois “historiadores” que há partida sabemos que tem visões politicas, religiosas, enfim, personalidades muito diferentes. Se de seguida analisarmos o seu trabalho verificamos que a mensagem do mesmo acontecimento por vezes é antagónica. Um pouco a história do copo meio cheio ou meio vazio. Tem mais impacto quando além da narrativa observamos as imagens colhidos por um ou por outro. Dai se concluir facilmente que a opinião do cidadão comum pode muito facilmente ser viciada, controlada para os aspectos que a informação pretende. Ou seja, sabemos que a uma determinada informação o ser comum reage maioritariamente de uma certa forma. Se queremos que se apoie uma causa, falamos apenas dos aspectos positivos, compomos a informação com os “ingredientes” próprios, não a “contaminando” com os possíveis acontecimentos “colaterais” que possam existir. Se queremos construir uma barragem falamos dos benefícios da energia eléctrica que vai ser produzida e do seu impacto positivo nas nossas vidas, não esquecendo a parte ecológica. Se somos contra vamos referir o impacto ambiental, a modificação do habitat de muitas espécies, a alteração do leito do rio, a destruição de uma paisagem paradisíaca para o turismo e para as espécies que nela habitam, os terrenos que vão ficar submersos sem produzir, etc.  Não é fácil relatar um acontecimento sem o “contaminar”, deixando todo o espaço para que o leitor possa de uma forma o mais abrangente possível tirar as suas próprias conclusões, elaborar o seu parecer, a sua opinião. É necessário para se entender melhor qualquer acontecimento reunir várias versões do mesmo, procurando obter os elementos que achamos de todo necessário para visualizarmos mentalmente todo o acontecimento. Desde os aspectos sociais da época, políticos, religiosos, culturais, tudo tem que ser considerado parte substantiva do acontecimento que pretendemos interpretar. Se alguém dá um tiro noutro, o acto por si só é reprovável. Se no entanto o descrevermos como agindo em sua própria defesa o julgamento moral que fazemos é diferente. Muitos exemplos se podem falar para tentar validar esta “teoria”, esta forma de ver as “coisas”.
É importante perceber que não estou a falar nos casos em que o descobrimento de novos factos vem deitar por terra conceitos tidos como verdade absoluta. Essa situação é completamente diferente. O que eu tenho estado a falar é da forma como se vai registando, interpretando a história e essa interpretação vai sendo difundida, ensinada a todas as gerações vindouras que não presenciaram os acontecimentos. Costumo chamar aos historiadores “fazedores da história”, mais especificamente, “aos anotadores da história”. O termo “fazedor” é prepositado dado que considero que a história que existe escrita ou registada sobre tudo que aconteceu ou vai acontecendo é em parte fruto da criatividade, do engenho, da visão pessoal do historiador, e o acontecimento em si é apenas uma mera forma de “acreditar” a sua tese, a sua forma de valorizar este ou aquele conceito, pensamento. Não estou a chamar “mentiroso” ao historiador. O meu conceito de mentira é diferente, consiste em deturpar propositadamente e com fins objectivamente bem definidos o acontecimento. Ou seja, o “historiador” sabe que mente, mas fá-lo com uma determinada lógica, objectivo. No caso “tradicional” o historiador esforça-se por registar o mais exaustivamente em pormenores o acontecimento mas está naturalmente “condicionado” ao estatuto de ser Humano, e como tal, sujeito às “deturpações” naturais da sua forma de interpretar e consequentemente registar o acontecimento.
Ao exprimir esta forma de ver, surge naturalmente uma questão elementar: qual será a melhor forma de registar um, acontecimento, fazer a história? Acho que não existe uma que seja apelidada de “verdade absoluta”, objectivamente e subjetivamente “imparcial”.  Resta-nos em ultimo caso, estarmos atentos, procurarmos sempre várias fontes para as contrapormos, conhecermos a personalidade do historiador, para então conseguirmos elaborar mentalmente todo o acontecimento, todas as envolvências possíveis da passagem que estamos a ler ou a estudar. Eu sei que todo este pensamento é teórico, talvez inexequível. Devemos concluir que a verdade absoluta de um facto ou acontecimento dificilmente existirá. Não devemos à partida excluir outros pontos de vista diferentes, muitas vezes o oposto do que achamos ter sido. Quantas vezes, após presenciarmos um acontecimento e mais tarde quando o descrevemos, somos confrontadas com certas perguntas para as quais não temos uma resposta que possamos afirmar convictamente de ser “a verdade”? O ditado é velho: “ quem conta um conto, acrescenta um ponto.”

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Uma saudade diferente


                 ( Capela de Santo António - Lugar das Agras - Freguesia de Mansores - Arouca )


Na nostalgia de alguns momentos que tantas vezes nos acontecem, existem alguns que queremos que existam apenas adormecidos nos sonhos não sonhados. São pequenas recordações que nos vão acompanhando pela vida, querendo apenas que assim existam. Não é fácil em determinados momentos manter a coerência dos actos perante um certo avivar dessas mesmas recordações. Temo nessas alturas perder o controle emocional, ficar transparente. Acostumado a uma vida de si já muito preenchida, considero loucura estes momentos em que sinto uma enorme vontade de ao início voltar. Não troco por nada os tesouros que a vida me deu. Mas mesmo plenamente consciente de tudo, os pensamentos, as recordações de outros tempos permanecem vivas, não sei do que se alimentam. Por certo apenas existem porque tem que existir, porque de alguma forma devem existir. Tudo tem uma razão de existir. Não sou senhor de saber o que deva ou não existir, mesmo nos meus pensamentos, no universo a que pertenço. Se um dos propósitos da minha existência for o de abarcar com a dor de certas recordações, que assim seja, que assim sofra a dor por não a querer perder.
De uma forma simples recordo quem um dia tive o privilégio de conhecer, por algum tempo conviver. No percurso que a vida foi tomando, nossos caminhos se afastaram, até se perderem de vista, se perderem...
Por nunca ter acontecido o reencontro, acho saudável ainda manter vivas as recordações dos momentos que aconteceram. Sinto muita doçura por ter algo de tão especial para lembrar, recordar de um jeito sonhador como que ao passado se pudesse regressar. E nesse regresso viver o faz-de-conta até o dia terminar, até chegar a hora de voltar. E por estranha magia, o presente continuaria igual, parado, esperando o nosso regresso para continuar viagem, continuar acontecendo. Seria um pouco como os escritores que tem vários heterónimos, cada um à sua maneira, vivendo na mesma vida tantas vidas diferentes. Um ser Actor de forma diferente, diferentes personagens encarnando, todas elas reais, com vida, com alegria e sofrimento, tudo acontecendo no mesmo corpo, na mesma alma.  
Estranha forma este de pensar, de sequer acreditar que tal fosse possível, mesmo que o fosse. Tudo que na vida acontece transforma-nos. Como seriamos, como nos conseguíamos ver por dentro, os outros compreenderem? Fico apenas pelos sonhos que vou inventando, criando. Nesta forma de escrever o que vou pensando um certo arrepio se me dá. Poderá algum dia os sonhos que vou sonhando, construindo, transformarem a minha forma de ser e estar? Acho que não, o sonhar sempre fez parte, apenas temos que organizar tudo direitinho, não confundir a realidade com a imaginação. E o sonhar, o recordar são presença real do que somos, do que queremos ser, do que um dia também já fomos. Durante a minha adolescência tive a sorte de viver com um grupo de amigos fantásticos. Muitas aventuras realizávamos nesses tempos de pura magia, sem medos, sem receios, sem pensar nas crises económicas ou politicas. Foi um mundo maravilhoso aquele que existiu, que também fiz parte. Questiono mesmo se tanta informação que hoje nos chega é benéfica para o nosso bem-estar. Nesse tempo o mundo também girava, as coisas aconteciam. Nós é que só dávamos importância ao que realmente nos afectava directamente, sem medos disto ou daquilo. Se tal hoje fosse possível, se eu conseguisse tornar possível. Mas sinto que não consigo, tudo está interligado.
Não devo chamar ao que sinto saudade. Saudade é quando lembramos uma outra realidade que deixamos por algum tempo, sempre na esperança de lá regressar. Mas ao passado,
às recordações só podemos voltar no mundo dos sonhos, acordado ou dormindo. Mas também os sonhos podem ser tão diversos, realizáveis ou não. Quando sonhamos conquistar algo, realizar projectos, vivemos lutando para que eles se tornem realidade, deixem de ser sonho. Este é o que eu chamo de sonho real. O sonho de menino é diferente, apenas necessita de uma imaginação fértil para se tornar realidade, nunca o sendo. Ou seja, é sempre sonho, construído e vivido no mundo do sonho, do faz-de-conta. E é assim que acontece, que se realiza. Depois existe o sonho nostálgico, que é coisa mais para gente crescida, já um pouco ou muito vivida. E é nessas vivências que ele tem os seus alicerces, que ele ganha forma. No fundo é um pouco como pegar nas recordações que temos e criar uma história diferente daquela que aconteceu realmente. Nessa criação podemos realizar todos os sonhos que um dia tivemos mas que não se concretizaram. Ou simplesmente, mesmo que nesse passado não tivessem existido sonhos por realizar, criar tudo que a imaginação alcançar e deixar-se levar pelas emoções que irão surgir. Por certo existirão muitos outros tipos de sonho. Eu apenas lembro e argumento estes. Confesso que ainda os vivo todos, mesmo não sendo nenhuma criancinha. Gosto de o fazer, gosto de exercitar esta faculdade que temos quando interajo com os meus filhos, com os meus pais, com muitas outras pessoas que me são muito queridas. É salutar, faz-me sentir bem, faz-me viver.     

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Conto popular






A necessidade de se movimentar está sempre presente na existência de qualquer espécie. Seja para procurar comida, para procurar abrigo, para encontrar climas mais amenos, as espécies sempre percorreram as distancias que eram necessárias para encontrar o que procuravam. O homem também o faz, também é uma espécie, e que exemplares por vezes aparecem dessa espécie.  Desde os primórdios que grandes distâncias eram percorridas com objectivos semelhantes ao de qualquer espécie, contudo de uma forma diferente e com objectivos que iam para além da satisfação das suas necessidades físicas.
                Nem sempre se fez da mesma forma, nem sempre se fará da mesma forma. Não quero falar do acto de viajar em geral, mas sim das viagens que aqueles que me pegaram ao colo contam. As pernas eram de certeza outras, mais acostumadas aos carreiros que tudo percorriam. A única forma que os aldeões tinham de se deslocar era a pé, pelo menos os pobres. Grandes caminhadas diárias se faziam quer para trabalhar, ir a uma consulta, uma feira, uma romaria, à sede do concelho tratar de alguma papelada. Os carreiros ainda existem, alguns ainda são usados pelos mais resistentes, pelos amantes desta prática tão rica em história e histórias que ficavam para serem contadas. Numa zona de montanha, as encostas ingremes são o mais difícil para se carregar com um açafate das compras da feira, um canado de leite que vem do outro lado do rio, uma cesta com o comer para os homens que andam no monte a trabalhar ou na pedreira, uma giga de alguma coisa para a um familiar levar que mora para lá de algumas encostas. Não admira o gosto pela conversa que regra geral esses resistentes têm. Muito conversam, muito sabem de quem casou com quem, das boas e más de cada aldeia, do filho deste e daquela, nada escapa. Não entendo como conseguem falar de coisas que se passaram há cinquenta, sessenta e setenta anos atrás apenas de memória. Não entendo mesmo nada. Eu que sou uma criança quando ao seu lado estou, tanta vida que vivi e já esqueci. Não sei ao certo se é apenas meu ou se é uma característica mais ou menos comum à minha geração. Não estou preocupado por esta pouca memória não me ajudar aquilo que por vezes desejo. Um pouco como a história daquelas viagens que fazemos e chegados ao destino não nos lembramos de ter passado neste ou naquele sítio. Fica-se um pouco intrigado, mas afinal o trajecto que se fez obrigatoriamente tive que passar por lá. Posso não me lembrar do dia em que nasci, da primeira palavra que pronunciei ou quando comecei a caminhar, mas sei que aconteceu, tenho a certeza disso.
                Quando se arranja um tempito para se parar a escutar, é fascinante a forma fácil como descrevem todos os acontecimentos, com pormenores que eu às vezes fico a pensar para mim se não serão inventados. Alguns devem ser pois eu não quero acreditar que geneticamente essa característica não tenha passado ou então já começo a estar meio senil? Bom, não vou falar mais no assunto. Cada um tem a memória que tem, regista mais ou menos as fases da vida do seu jeito. E por falar nisso, existem fases da minha vida que eu recordo muito bem e já tem mais de trinta anos. Não devo ainda estar caduco de todo. O melhor mesmo é voltar a usar os pequenos diários.
                Numa dessas conversas escutei uma história bastante engraçada quer na história em si quer de toda a envolvência de quem a contou, como a contou, onde a contou. E era mais ou menos assim: “ … Certo dia, indo um grupo de homens para outra freguesia um pouco afastada trabalhar, seguia o seu caminho, como habitualmente, em grupo a conversar. Nessa caminhada, que ainda era longa, passavam por várias aldeias vizinhas. Numa dessas aldeias deram com um grupo de rapazolas que andavam por ali a brincar. E não vai de modas, os miúdos começaram a meter conversa com os viajantes que daquele lugar não eram de certeza. Enquanto continuavam sem parar a sua caminhada, iam respondendo como podiam às graçolas que a canalhada em grupo lhes ia fazendo. Certos do velho ditado que diz” que o diabo não quis nada com a canalha”, não alongavam muito as respostas mostrando pressa no passo acelerado que não parava. Como era normal naquela época, as roupas que os  miúdos vestiam eram o que havia, calças com dois grandes olhos na parte de trás e igualmente nos joelhos. Já no final do lugar, a rapaziada viu que não os podia acompanhar mais e parou. Eis então que surge um mais reguila e vai para o que ia à frente a comandar o grupo e pergunta:
 -O senhor já viu a cor de um peido (traque)?
Um pouco atrapalhado o Homem lá respondeu educadamente:
- Não rapaz, olha que nunca vi a cor de um peido.
Houve uma gargalhada geral no grupo e na rapaziada, que nesse instante tinham todos parado tal a insólita situação. Então o miúdo diz em tom de graçola:
- Espero um bocadinho que eu já lhe vou mostrar.
De seguida curva-se, e apanhando uma mão cheia de terra seca do caminho coloca-a por cima das calças no sítio do traseiro e de seguida solta um peido. Não é que se levantou uma poeirada e logo de seguida o miúdo diz rindo às gargalhadas.
- Viu ou não viu a cor de um peido?
Todos se olhavam tal a surpresa do acto em si. Na verdade tinham visto pela primeira vez a cor de um peido.”

Chuva miudinha


O dia já há muito que se levantou. Vou acordando à medida que me levanto, ainda com vontade de fazer companhia um pouco mais aos lençóis. Resignado, sento-me ainda um pouco na beira da cama, tentando ganhar alguma coragem para me por em pé, para me por acordado. Há dias assim, custa tanto, tanto, que mais valia deixar-me ficar. Mas sei que não posso, que não devo. Confesso que até me deitei cedo. Ultimamente tenho enveredado por uma forma diferente de viver os dias e as noites. Gosto da adrenalina de certas situações, de certas formas de viver diferente. Mas ultimamente, não sei explicar porquê, gosto de viver um pouco mais isolado, um pouco mais virado para dentro do pequeno quintal que rodeia por completo a minha casa. As outras lutas, do trabalho, dos amigos e inimigos, das coisas que sempre existem para tratar, tenho deixado um pouco de lado, um pouco longe do “ pé da minha casa”. Sinto-me algo aborrecido com o que por ai anda, ou andará. Ao certo não quero saber. Não me venham contar pormenores disto ou daquilo que eu não quero saber. Por que carga de água devo prestar atenção a esta ou aquela versão dos acontecimentos daqui e dalém?
Não estou nem ai. Quero lá saber do que falam ou deixam de falar. São apenas umas “marias” que não tem nada que fazer, a dar água sem caneco. Estou cansado de tanto me preocupar com os outros. Não considero que seja egoísmo da minha parte. Não sou nenhum egocêntrico, apenas acho que basta. Não me arrependo do que fiz, mas agora quero apenas levantar-me, lavar a cara com água fria a ver se acordo. Depois gosto do pequeno-almoço com companhia. Abre-se a janela para abrir a portada e dar os bons dias ao dia que há muito já levantou. Está um fresquinho matinal que arrepia um pouco o corpo ainda quente do aconchego dos lençóis, dos cobertores, que ainda há pouco comigo dormiam. É uma bonita manhã para ficar por casa. A chuva miudinha, mesmo miudinha, vai-se deixando cair por todo o lado que avisto. Dos telhados já caiem umas gotinhas, também elas miudinhas, mas não tanto. Aquelas gotinhas de chuva são umas malandrotas. Juntam-se todas nos telhados e depois é como brincar num escorrega até à ultima telha do beiral, de onde pulam para o chão, que nem garotado traquina. Que divertido deve ser ter tantas amigas para brincar, para á janela admirar. Assim está bom, já não preciso de regar as árvores nem as flores: esse trabalho está feito. Lembro um pouco aqueles dias de chuva quando era garoto, e que davam para eu ficar em casa. Gostava de olhar pela janela do meu quarto, que dava para o lado nascente do lugar, e ver a chuva que descia sobre todos os telhados, todos os campos, todos os caminhos, todos os guarda-chuvas que por ali se aventuravam em pequenos passeios que talvez se tivessem mesmo que fazer. Assim já dava para eu ficar a estudar sem ser o malandro que não quer trabalhar. Era um pouco assim, por vezes não se entendia que era preciso estudar para se estudar. Um pouco á semelhança de uma árvore qualquer que é preciso cuidar para que dê fruto.
Vou aproveitar para fazer algumas daquelas coisas que ficam sempre para quando se tiver “vagar”. Já há muito que não ouço certas músicas, não abro os poucos álbuns que estão adormecidos na estante do escritório. A velha mala de eucalipto, que era dos “Moreiras da Mata”, já lá vai tempo que não se abre, não mostra o que por lá se foi guardando como pequenos tesouros que havia que guardar. É uma foto, um relógio antigo, uma pequena agenda onde eu em miúdo anotava os meus pequeninos segredos, fazia o meu diário mas apenas dos dias que achavam valerem a pena serem um dia recordados. Pequenas descrições do que acontecia, do meu estado de alma, das minhas ilusões e desilusões. São sempre momentos de muita nostalgia, estes que agora se vivem ao visitar esse passado já tão distante. Embora esses fragmentos do tempo que guardamos estejam sempre presentes em mim, de uma forma ou de outra, pois não seria a pessoa que sou se os não tivesse vivido, se de outra forma os tivesse vivido. Não são recordações perfeitas ou imperfeitas, foram as que eu vivi. E foi nessa vivência, nessa forma de agir e pensar que a minha personalidade se construi, foi tomando forma, revelando-se ao mundo e a mim. Por certo existem momentos que eu acho que seriam perfeitos se de outra forma acontecessem. Mas não dá para modificar, o que passou já passou. O que mais me magoa não é o que eu gostaria que me tivesse acontecido, é a dúvida se alguém se tenha desiludido comigo, saído magoado. Essa insegurança é que mais me magoa. Não fui o menino que virou doutor mas isso dá para aguentar. Só sinto uma tristeza na alma quando recordo este ou aquele momento em que eu devia ter sofrido mais por alguém, não devia ter apenas deixado a vida continuar. Todos sabemos que as batalhas são sempre cruéis, mesmo quando se vence. Sempre foi meu sonho voar bem alto, sem obstáculos, sem ninguém magoar. Apenas flutuar, pairar, sobre o mundo do qual eu também fazia parte, mas não naqueles instantes. Ainda sonho esse sonho.
            Vou fazer todas essas coisas que há muito andava para fazer, mas primeiro vou vestir uma roupa a condizer com o que o dia traz vestido. Quero ir lá fora cumprimenta-lo, perguntar-lhe como está, meter conversa com ele. Mas não me demoro, é um instantinho e eu volto já para junto de vós. Desejo muito ver mais de perto aquelas garotinhas todas brincando de escorrega do meu telhado. Vou deixar que algumas saltem no meu guarda-chuva para não se magoarem. Vou assobiar para os cães saírem das casotas e sorrirem para mim, como eles gostam de fazer. A malhadinha é que já se antecipou a mim. Entra-me pela porta vinda do quintal já toda molhada. Sua malandra, não vias que estava a chover? Não me liga nada e parece que não está preocupada. Se calhar também andou à brincadeira com todas aquelas gotinhas que estão pulando das nuvens. Podias ao menos ter-me chamado, bastava apenas miar. Mas ela apenas me fixa o olhar, sentada sobre as patas traseiras, como que me pedindo alguma coisa. Ou é um mimito ou a barriguita está a dar horas. Nem uma coisa nem outra te ade faltar enquanto eu poder.
            Já bem agasalhado, vestido a rigor para a ocasião, lá me aventuro pelo quintal enquanto a chuva continua miudinha, mesmo miudinha. Agora na frente da casa e do lado já tem calçada e coberto. No princípio estava o piso em terra e formava grandes poças de água. Dava para chapinhar no meio das poças com as galochas calçadas para não molhar os pés. Como era divertido esse tempo com as crianças. Se calhar era melhor destruir a calçada para o tempo voltar ao princípio; se calhar.
Percorro lentamente todo o quintal e não esqueço de me aventurar um pouco no monte que me faz companhia, ali tão perto, ao redor do meu quintal que está em redor da minha casa que está em redor de mim tantas vezes.
As árvores, a erva pequenina, tudo se rejubila de tão gostoso duche fresquinho do cume até à raiz mais profunda. É um maná que dos Ceus cai para alegria de todos, penso eu. Vou-me demorando aqui e ali para melhor sentir, interiorizar esta alegria que me invade, me tranquiliza, me deixa um pouco a planar. A água sempre me fascinou, e é de tantas formas que ela nos surpreende. Acredito mesmo que é a “criatura” mais viva e com mais vida que conheço. Com alguma tristeza sinto que está na hora de regressar a casa, de começar a fazer aquilo que a mim prometi. Também vai ser bom tocar o passado que ainda continua vivo dentro de mim. E da janela, enquanto vasculho tantas recordações ali guardadas, pela janela terei a companhia da chuva que vai caindo miudinha, mesmo muito miudinha.