Muita sabedoria popular se
manifesta em pequenos provérbios. São na sua maioria pensamentos ou
ensinamentos ditos por quem da vida tem grande experiência e sabedoria. Muitas
vezes em pequenas frases ou versos que geralmente rimam. Gosto de os ouvir,
procuro entendê-los. Uns mais simples que outros, são conhecimentos que não se
devem menosprezar. Lembro um que acho muito engraçado e que me suscitou a
vontade de contar uma pequena história que nada tem a ver com a mensagem que fica
dele. O provérbio é mais ou menos assim: “ não se deve morrer de véspera”.
Como é fácil perceber, o autor
aconselha-nos a não nos precipitar, a aguardar com paciência mesmo que a
situação nos pareça não ter solução. Não sei o porquê, mas sinto que devo
partilhar consigo uma pequena história que para ser fidedigna ao tempo da acção
ainda não devia ser escrita ou contada. Não é um morrer de véspera, é apenas
escrever o que daqui a algum tempo acho que alguém a iria escrever, com quase toda
a certeza. E ela começa assim:
- “ Daqui a algum tempo, não sei
precisar ao certo quanto, irá um homem pelos montes que circundam o seu lugar,
com um saco às costas na ansia de o trazer para casa cheio de pinhas. Sai bem
cedo, pela manhã ainda fresquinha, para não apanhar o calor. Habituado aos
costumes da casa de seus pais, é como a pequena formiga que labora de verão para
ter que comer no inverno. O saco de sarapilheira é bastante grande. Prevenido,
não vá aparecerem muitas, resolve levar mais um para não faltar. Com um passo
largo, lá irá ele todo entusiasmado, lembrando os tempos de miúdo quando fazia
esta tarefa com os pais e os irmãos. Bons tempos, dirá ele para com os seus
botões enquanto que se dirige para as
tapadas que em redor do lugar ficavam. Será tanta a alegria interior que o
senhor não caberá em si de contente. Entrando pelos montes dentro, não para de
pensar, recordar aqueles tempos em que disputavam as pinhas no intuito de
encher o saco primeiro que todos. Bons tempos, continuará ele murmurando com
todos os botões. Sempre olhando para o chão, espreita por entre o mato tentando
encontrar alguma. Mas as pernas vão ficando cansadas, o tempo passando, e nada
de pinhas. Estará confuso, que diabo é que tinha dado para as pinhas se sumirem
todas. Se calhar alguém na véspera se terá antecipado. Mas porra, como poderiam
ter apanhado todas? Alguma coisa não estava certa, pensava ele sem tirar os
olhos do chão, ansioso por achar a primeira pinha. Exausto, desanimado,
desiludido, decide descansar. Senta-se numa pedra maior para comtemplar o
Céu e pedir a Deus ajuda para compreender o que se passava. Tinha tirado o fim-de-semana
para regressar à aldeia e fazer aquelas pequenas coisas que em miúdo lhe davam
tanto prazer. Não conseguia compreender o que se passava.
É então que já mais calmo começa
a olhar o monte com outros olhos, já distantes do sonho que trazia na mente,
que o não deixava ver a realidade. Com grande espanto se levanta e olha em
volta: tudo igual, todas as copas das árvores iguais, como se tivessem sido
podadas pelo mesmo podador. Não se conformando foi correndo a todos os cumes
dos montes em redor: tudo igual. Estaria a sonhar? Podia ser verdade?
Mas era verdade sim. Os montes
que outrora conhecia vestiam-se hoje de uma vegetação tão diferente, toda
alinhada como se de uma companhia de soldados se tratasse, todos em fileira,
alinhados pela frente e pelos lados. Mas não eram pinheiros, não senhor. Eram
eucaliptos a perder de vista. O mistério estava infelizmente resolvido. Sentiu
um grande arrepio na alma. As lágrimas tomaram-lhe o rosto, escorrendo
devagarinho pela face cansada e desolada. Cabisbaixo dirigiu os seus passos na
direcção da casa que outrora o tinha acolhido tantas vezes com o saco cheio de
boas pinhas, todas abertas, todas novinhas, depois de bem abanadas para deixar
os pinhões espalhados pelo chão para germinar, outros pinheiros crescerem.
Habituado em pequeno a tanta diversidade de árvores, via agora este “exército”
tomar-lhe os sonhos, tomar-lhe o reino que outrora era de tantos.”
E esta será a história do senhor que um dia
irá apanhar pinhas tão distraído que não repara que os pinheiros há muito que
tinham partido. Esta será a história que iria um dia contar devido ao que se
passa junto a mim, em quase toda a floresta. O desbaste é geral, quase total.
Um dia irei sentir a falta de árvores majestosas, daquelas que não conseguimos abraçar
sozinhos. O Homem na avareza de colher tudo o mais depressa que pode, nada
deixa para o futuro, para as gerações vindouras. As máquinas entram pelos
montes tal carros blindados destruindo toda a vegetação que cobre o chão. Todas
as árvores são cortadas para em seguida se escouçar a terra e fazer plantações
de eucaliptos que é o que está a dar. Todo o mundo sabe os malefícios de tal
prática mas ninguém faz nada. Metem-se dentro dos seus gabinetes e assobiam
para o lado. Ninguém se quer incomodar. Eu também não me quero incomodar, tal
como os pinheiros, os carvalhos, os sobreiros e tantas outras vizinhas.
Se os senhores que tomam conta
dos nossos destinos ao menos gostassem de apanhar pinhas, talvez nada disto
viesse a acontecer. Costuma-se dizer com ironia que o melhor é mandá-lo apanhar
pinhas. Se tiver tempo acho que vou apanhar um cesto delas e oferecer a quem de
direito não vá acontecer como ao senhor da história. E’ um pouco como aquele
ditado que diz: “ não há pinheiro sem pinhão, pinhão sem pinha e pinha sem
pinheiro”.