sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

A uma colega de infância

O tempo, sempre o tempo. O tempo que faz, o tempo que passou, o que se espera estar para vir. Gostamos de o medir, quantificar, assim como quase todas as outras "coisas" da vida. Ao certo nunca saberemos o que somos no tempo presente e no futuro. Sabemos mais ou menos com alguma precisão aquilo que sentimos a cada instante. Observamos-nos de dentro e tentamos também de "fora". Todo o nosso comportamento e sentir está impregnado de uma infinidade de condicionantes que, mesmo que tentássemos, não conseguimos pormenorizar, saber de onde podem ter vindo. Herança genética, "aprendizagem" no decurso da vida. Absorvemos o que absorvemos, nem todos da mesma forma, somos selectivos. E porque o somos, e o que nos leva a absorver umas coisas e outras não? O que acaba ficando no nosso baú das memórias, que quando temos oportunidade vamos vasculhar, colocar à janela para "assoalharem"? E existem determinados estados presentes que nos fazem quedar. Nesse instante apenas passa a existir um único propósito no nosso pensamento: o porquê do que aconteceu, a frustração quando descobrimos que mais nada há a fazer, que a vida terminou definitivamente, que nada mais há a acrescentar, se pode acrescentar. E lá vem as memórias para o espírito atormentar, trespassando em tudo que é sitio, derramando todo o sangue que existir dentro de nós. E não nos opomos, não resistimos ou fugimos, um ficar querendo sem sequer o ter em mente. E ficamos sombrios, carregados como o céu assim fica antes da tempestade, que não tarda, vai rebentar. Medonha, de força e determinação quão cão enraivecido. Fustiga a terra com uma infinidade de minúsculas lanças pontiagudas, e de quando em vez os relâmpagos cegam-nos na escuridão a que já nos íamos acostumando. Só nos apetece chorar, largar tudo que temos entre mãos, e soltar uma corrida tão desenfreada que de volta aio tempo real das memórias nos pudesse transportar, em corpo e alma. 
Esses instantes prolongam-se, ressuscitam de tempos a tempos, como réplicas que se vão desvanecendo, e vamos adormecendo enquanto a tempestade, também Ela, vai esmorecendo. Será mais ao longe que lançaremos um "derradeiro" olhar, mas que se irá sempre repetir enquanto as memórias não se apagarem de todo, enquanto ainda um tempo houver.