Solidão
A caminhada da
vida, a minha e a de quem me rodeia, sinto que pode ser tudo, mas uniforme acho
que nunca. É demasiado trivial fazer alusão às mudanças que naturalmente
acontecem. Como qualquer caminhada, percorrendo qualquer caminho que escolhemos
ou que simplesmente nos levou, a densidade com que nos embrenhamos nesse
percurso será sempre o reflexo do nosso estado de alma, da nossa crença naquilo
que fazemos. Acredito, sem qualquer hesitação, no que afirmo. Fazendo uma
pequena meditação de tudo que acho alcançar sobre a minha realidade, o meu
estar enquanto membro de uma sociedade, toda a informação que a mim chega, é
sempre um repetir, talvez de forma diferente, do que eternamente se vai
falando. Não sei se podemos escolher aquilo em que acreditamos, se somos
forçados a isso. Penso que em muitas situações escolhemos errado, forçados ou
não. Sempre existiram crises, divergências politicas e religiosas, os cristãos
também já cometeram atrocidades, pelo menos assim acho quando olho o passado. Somos
apenas Homens, nada mais do que isso. Podemos em muitos momentos nos sentirmos Reis e senhores de tudo, de todos. Mas a nossa condição Humana nunca nos
abandonará. O que acho mais gratificante na vida é que um dia tudo tem um fim,
tudo acaba, voltaremos ao pó, pelo menos o corpo. Não estou a ser sarcástico.
Enquanto vivemos, devemos a obrigação ao Criador de sermos seres vivos, cheios
de vida, caminhantes sempre em busca de algo melhor, sempre na procura da
remissão dos nossos pecados. Porque sempre pecamos, sempre pecaremos, sempre
cairemos. Por cansaço, por descuido, por um desvario momentâneo do corpo e da
alma, assim dita a nossa condição de Humanos. Por mais que procure, dentro ou
fora de mim, as leis que ditam o caminhar do universo são imutáveis. Desde o
passado mais distante que há memória ou registo, os mesmos princípios se
aplicam ao ser Humano, aos povos e civilizações que foram existindo e
diluindo-se nos tempos.
Chove
copiosamente. Este inverno tem sido muito chuvoso, como os que antigamente
assim eram. Ainda falta a neve, a geada. Espero que não venha muito tarde,
quando as primeiras sementeiras estejam já nascidas. A natureza sempre nos
acompanha, ou seremos nós que a acompanhamos? Seja de uma forma ou de outra, é
uma vivência inseparável. Mesmo achando controlar quase tudo, o Homem, sempre
condicionados estamos aos seus desígnios. Como a outros condicionalismos
estaremos sempre vulneráveis. Não somos seres solitários, pelo menos por natureza.
Se por esse caminho optamos, penso que é apenas ilusório, um viver apenas
diferente, tentando fugir ao que de mau o viver em grupo pode representar. Mas
na nossa mente, saberemos sempre que, quando precisarmos, apenas nos basta
abrir a porta ao mundo, caminhar em direcção a ele, emaranharmo-nos novamente
nos desígnios colectivos. Mas será sempre assim, durante toda a nossa
existência? Poderá acontecer sermos relegados de forma definitiva? E em que
circunstâncias pode acontecer?
Sempre que me
afasto, fico na margem apenas observando e tentando compreender todas as
questões que me inquietam, da corrente deste rio que é o viver em sociedade,
participando activamente, assusta-me pensar que jamais lá poderei voltar,
conseguir acompanhar, diluir-me novamente. Seja por não me adaptar, por me
excluírem, o sentir que a dada altura ficarei entregue apenas ao que sou
enquanto ser vivo, leva-me a pensar o quão ingrato o viver pode ser. Um pouco à
semelhança do que acontece na natureza, as sociedades também são selectivas em
deixar viver apenas os mais fortes, os que conseguem adaptar-se às suas
exigências, não às de cada um. Pensando bem, apenas serei membro da sociedade
enquanto ela assim o ditar. Então os tormentos se levantam, sobre toda a
caminhada que já foi percorrida, o que devia ter sido feito e não foi. As
nossas fragilidades são expostas, mais que estar nu no meio da rua, ao olhar de
todos, são dissecadas todas as entranhas do nosso ser físico e psicológico.
Tudo é avaliado, desde o funcionamento do nosso organismo, ao nosso pensar, às
nossas convicções. Tudo em nós é retalhado até se vislumbrar os mais pequenos
detalhes que nos possam incriminar. Seremos julgados de todas as formas
possíveis. Não haverá misericórdia nem perdão.
Não estou a
exagerar. Qualquer um pode constactar que assim é. Basta olhar um pouco com
mais atenção, ver que existem mulheres que são despedidas por estarem grávidas,
funcionários que são despedidos por terem uma certa idade, algumas mazelas no
corpo. Já não são rentáveis, há que substituir, não se incomodando, esta
sociedade, com o que irá acontecer a este homem ou mulher. De uma forma trivial
somos postos de lado, entregues apenas ao nosso mundo mais pessoal, mais íntimo,
como a família ou amigos. Dei o exemplo do trabalho por ser o mais fácil de
compreender e aceitar, que é uma realidade que não se pode contestar. E todos
sabemos da importância que o trabalhar representa na vida de cada um de nós.
Além de ser uma forma de granjear o sustento para o corpo, é o sentir-se vivo e
útil enquanto membro de toda a sociedade. Mesmo que muitas vezes seja desempenhado
apenas como uma obrigação, é um meio para realizarmos outros projectos
pessoais, como ter o nosso lar, construir a nossa família. Considero que
trabalhar é talvez a única forma de sermos independentes, isto claro à luz da
legalidade e idoneidade pessoal. Não estou a considerar o trabalho apenas
aquele que se faz formalmente, em troca de uma remuneração acordada. Falo do
acto de produzir ou criar, seja em que actividade for. Os artistas também
trabalham. É um trabalho diferente, mas ainda assim, muito mais criativo e
também necessário numa sociedade Humanizada. Porque o Homem sempre necessitou
da arte, de se revelar e sentir de muitas formas.
Posso achar
que sei avaliar a minha caminhada pessoal. Sei os erros que cometi, os caminhos
que escolhi e não o devia ter feito. Mas só agora o sei, depois do erro
cometido. Porque só se levanta quem primeiro caiu, assim eu procuro erguer-me
novamente. E a caminhada colectiva, a de toda a sociedade? Será que vai pelo
caminho correcto, na direcção que todos desejamos? E se não vai, de quem é a
culpa? Se é uma caminhada colectiva, a culpa será colectiva. Como sempre, as
maiorias são as responsáveis, mas quem sofre as consequências negativas são as
minorias. Este modelo, dito democrático, será o melhor? Não estarão os mercados
financeiros fora de controlo, insensíveis às aspirações dos cidadãos comuns,
imunes a qualquer acto fiscalizador e punitivo? Serão esses mercados os donos
do mundo actual? Apesar de a pergunta parecer dirigir-se a algo abstracto, a
verdade é que quem faz as leis, quem dita as regras desses mercados são seres
humanos, homens e mulheres que deveriam ser de condição igual à dos do cidadão
comum. Mas todos sabemos que se refugiam no alto das torres dos palácios que
para si criaram, longe das tormentas que causam aos que vivem fora dessas
torres de marfim. Como seria diferente se eles comessem da mesma panela, se
tratassem nos mesmos hospitais, vivessem com os escassos patacos que a maioria
ganha. Com toda a certeza que a panela se encheria de outras iguarias, as
listas de espera desapareceriam, os ordenados seriam diferentes.
Mas mais que
esta solidão que me atinge, é o pensar no futuro que mais me preocupa. Seremos capazes
de reinventar a sociedade, a forma de viver, de modo a que as famílias voltem a
ser o centro de toda a sociedade? Voltaremos a ter as famílias capazes de
cuidarem dos seus, sem deixar quem quer que seja de fora? Quando já não poder
trabalhar, que destino terei se não me souber ou poder defender? Enquanto
vivemos uma vida mais activa, não devemos descorar a preparação para os dias
que um dia chegarão. Um pouco como a formiga, que vai granjeando no verão, para
ter que comer quando o inverno chegar. Como na natureza, o inverno também
acabará por chegar às nossas vidas. Como estarei eu preparado quando ele
chegar? Terei granjeado e guardado o suficiente? Terei construído o meu pequeno
nicho de forma a suportar a sua aspereza?
Quarta-feira,
dia 16 de Janeiro de 2013
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