quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Conto popular






A necessidade de se movimentar está sempre presente na existência de qualquer espécie. Seja para procurar comida, para procurar abrigo, para encontrar climas mais amenos, as espécies sempre percorreram as distancias que eram necessárias para encontrar o que procuravam. O homem também o faz, também é uma espécie, e que exemplares por vezes aparecem dessa espécie.  Desde os primórdios que grandes distâncias eram percorridas com objectivos semelhantes ao de qualquer espécie, contudo de uma forma diferente e com objectivos que iam para além da satisfação das suas necessidades físicas.
                Nem sempre se fez da mesma forma, nem sempre se fará da mesma forma. Não quero falar do acto de viajar em geral, mas sim das viagens que aqueles que me pegaram ao colo contam. As pernas eram de certeza outras, mais acostumadas aos carreiros que tudo percorriam. A única forma que os aldeões tinham de se deslocar era a pé, pelo menos os pobres. Grandes caminhadas diárias se faziam quer para trabalhar, ir a uma consulta, uma feira, uma romaria, à sede do concelho tratar de alguma papelada. Os carreiros ainda existem, alguns ainda são usados pelos mais resistentes, pelos amantes desta prática tão rica em história e histórias que ficavam para serem contadas. Numa zona de montanha, as encostas ingremes são o mais difícil para se carregar com um açafate das compras da feira, um canado de leite que vem do outro lado do rio, uma cesta com o comer para os homens que andam no monte a trabalhar ou na pedreira, uma giga de alguma coisa para a um familiar levar que mora para lá de algumas encostas. Não admira o gosto pela conversa que regra geral esses resistentes têm. Muito conversam, muito sabem de quem casou com quem, das boas e más de cada aldeia, do filho deste e daquela, nada escapa. Não entendo como conseguem falar de coisas que se passaram há cinquenta, sessenta e setenta anos atrás apenas de memória. Não entendo mesmo nada. Eu que sou uma criança quando ao seu lado estou, tanta vida que vivi e já esqueci. Não sei ao certo se é apenas meu ou se é uma característica mais ou menos comum à minha geração. Não estou preocupado por esta pouca memória não me ajudar aquilo que por vezes desejo. Um pouco como a história daquelas viagens que fazemos e chegados ao destino não nos lembramos de ter passado neste ou naquele sítio. Fica-se um pouco intrigado, mas afinal o trajecto que se fez obrigatoriamente tive que passar por lá. Posso não me lembrar do dia em que nasci, da primeira palavra que pronunciei ou quando comecei a caminhar, mas sei que aconteceu, tenho a certeza disso.
                Quando se arranja um tempito para se parar a escutar, é fascinante a forma fácil como descrevem todos os acontecimentos, com pormenores que eu às vezes fico a pensar para mim se não serão inventados. Alguns devem ser pois eu não quero acreditar que geneticamente essa característica não tenha passado ou então já começo a estar meio senil? Bom, não vou falar mais no assunto. Cada um tem a memória que tem, regista mais ou menos as fases da vida do seu jeito. E por falar nisso, existem fases da minha vida que eu recordo muito bem e já tem mais de trinta anos. Não devo ainda estar caduco de todo. O melhor mesmo é voltar a usar os pequenos diários.
                Numa dessas conversas escutei uma história bastante engraçada quer na história em si quer de toda a envolvência de quem a contou, como a contou, onde a contou. E era mais ou menos assim: “ … Certo dia, indo um grupo de homens para outra freguesia um pouco afastada trabalhar, seguia o seu caminho, como habitualmente, em grupo a conversar. Nessa caminhada, que ainda era longa, passavam por várias aldeias vizinhas. Numa dessas aldeias deram com um grupo de rapazolas que andavam por ali a brincar. E não vai de modas, os miúdos começaram a meter conversa com os viajantes que daquele lugar não eram de certeza. Enquanto continuavam sem parar a sua caminhada, iam respondendo como podiam às graçolas que a canalhada em grupo lhes ia fazendo. Certos do velho ditado que diz” que o diabo não quis nada com a canalha”, não alongavam muito as respostas mostrando pressa no passo acelerado que não parava. Como era normal naquela época, as roupas que os  miúdos vestiam eram o que havia, calças com dois grandes olhos na parte de trás e igualmente nos joelhos. Já no final do lugar, a rapaziada viu que não os podia acompanhar mais e parou. Eis então que surge um mais reguila e vai para o que ia à frente a comandar o grupo e pergunta:
 -O senhor já viu a cor de um peido (traque)?
Um pouco atrapalhado o Homem lá respondeu educadamente:
- Não rapaz, olha que nunca vi a cor de um peido.
Houve uma gargalhada geral no grupo e na rapaziada, que nesse instante tinham todos parado tal a insólita situação. Então o miúdo diz em tom de graçola:
- Espero um bocadinho que eu já lhe vou mostrar.
De seguida curva-se, e apanhando uma mão cheia de terra seca do caminho coloca-a por cima das calças no sítio do traseiro e de seguida solta um peido. Não é que se levantou uma poeirada e logo de seguida o miúdo diz rindo às gargalhadas.
- Viu ou não viu a cor de um peido?
Todos se olhavam tal a surpresa do acto em si. Na verdade tinham visto pela primeira vez a cor de um peido.”

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