segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Os pinheiros


Muita sabedoria popular se manifesta em pequenos provérbios. São na sua maioria pensamentos ou ensinamentos ditos por quem da vida tem grande experiência e sabedoria. Muitas vezes em pequenas frases ou versos que geralmente rimam. Gosto de os ouvir, procuro entendê-los. Uns mais simples que outros, são conhecimentos que não se devem menosprezar. Lembro um que acho muito engraçado e que me suscitou a vontade de contar uma pequena história que nada tem a ver com a mensagem que fica dele. O provérbio é mais ou menos assim: “ não se deve morrer de véspera”.
Como é fácil perceber, o autor aconselha-nos a não nos precipitar, a aguardar com paciência mesmo que a situação nos pareça não ter solução. Não sei o porquê, mas sinto que devo partilhar consigo uma pequena história que para ser fidedigna ao tempo da acção ainda não devia ser escrita ou contada. Não é um morrer de véspera, é apenas escrever o que daqui a algum tempo acho que alguém a iria escrever, com quase toda a certeza. E ela começa assim:
- “ Daqui a algum tempo, não sei precisar ao certo quanto, irá um homem pelos montes que circundam o seu lugar, com um saco às costas na ansia de o trazer para casa cheio de pinhas. Sai bem cedo, pela manhã ainda fresquinha, para não apanhar o calor. Habituado aos costumes da casa de seus pais, é como a pequena formiga que labora de verão para ter que comer no inverno. O saco de sarapilheira é bastante grande. Prevenido, não vá aparecerem muitas, resolve levar mais um para não faltar. Com um passo largo, lá irá ele todo entusiasmado, lembrando os tempos de miúdo quando fazia esta tarefa com os pais e os irmãos. Bons tempos, dirá ele para com os seus botões enquanto que se dirige  para as tapadas que em redor do lugar ficavam. Será tanta a alegria interior que o senhor não caberá em si de contente. Entrando pelos montes dentro, não para de pensar, recordar aqueles tempos em que disputavam as pinhas no intuito de encher o saco primeiro que todos. Bons tempos, continuará ele murmurando com todos os botões. Sempre olhando para o chão, espreita por entre o mato tentando encontrar alguma. Mas as pernas vão ficando cansadas, o tempo passando, e nada de pinhas. Estará confuso, que diabo é que tinha dado para as pinhas se sumirem todas. Se calhar alguém na véspera se terá antecipado. Mas porra, como poderiam ter apanhado todas? Alguma coisa não estava certa, pensava ele sem tirar os olhos do chão, ansioso por achar a primeira pinha. Exausto, desanimado, desiludido, decide descansar.   Senta-se numa pedra maior para comtemplar o Céu e pedir a Deus ajuda para compreender o que se passava. Tinha tirado o fim-de-semana para regressar à aldeia e fazer aquelas pequenas coisas que em miúdo lhe davam tanto prazer. Não conseguia compreender o que se passava.
É então que já mais calmo começa a olhar o monte com outros olhos, já distantes do sonho que trazia na mente, que o não deixava ver a realidade. Com grande espanto se levanta e olha em volta: tudo igual, todas as copas das árvores iguais, como se tivessem sido podadas pelo mesmo podador. Não se conformando foi correndo a todos os cumes dos montes em redor: tudo igual. Estaria a sonhar? Podia ser verdade?
Mas era verdade sim. Os montes que outrora conhecia vestiam-se hoje de uma vegetação tão diferente, toda alinhada como se de uma companhia de soldados se tratasse, todos em fileira, alinhados pela frente e pelos lados. Mas não eram pinheiros, não senhor. Eram eucaliptos a perder de vista. O mistério estava infelizmente resolvido. Sentiu um grande arrepio na alma. As lágrimas tomaram-lhe o rosto, escorrendo devagarinho pela face cansada e desolada. Cabisbaixo dirigiu os seus passos na direcção da casa que outrora o tinha acolhido tantas vezes com o saco cheio de boas pinhas, todas abertas, todas novinhas, depois de bem abanadas para deixar os pinhões espalhados pelo chão para germinar, outros pinheiros crescerem. Habituado em pequeno a tanta diversidade de árvores, via agora este “exército” tomar-lhe os sonhos, tomar-lhe o reino que outrora era de tantos.”
 E esta será a história do senhor que um dia irá apanhar pinhas tão distraído que não repara que os pinheiros há muito que tinham partido. Esta será a história que iria um dia contar devido ao que se passa junto a mim, em quase toda a floresta. O desbaste é geral, quase total. Um dia irei sentir a falta de árvores majestosas, daquelas que não conseguimos abraçar sozinhos. O Homem na avareza de colher tudo o mais depressa que pode, nada deixa para o futuro, para as gerações vindouras. As máquinas entram pelos montes tal carros blindados destruindo toda a vegetação que cobre o chão. Todas as árvores são cortadas para em seguida se escouçar a terra e fazer plantações de eucaliptos que é o que está a dar. Todo o mundo sabe os malefícios de tal prática mas ninguém faz nada. Metem-se dentro dos seus gabinetes e assobiam para o lado. Ninguém se quer incomodar. Eu também não me quero incomodar, tal como os pinheiros, os carvalhos, os sobreiros e tantas outras vizinhas.
Se os senhores que tomam conta dos nossos destinos ao menos gostassem de apanhar pinhas, talvez nada disto viesse a acontecer. Costuma-se dizer com ironia que o melhor é mandá-lo apanhar pinhas. Se tiver tempo acho que vou apanhar um cesto delas e oferecer a quem de direito não vá acontecer como ao senhor da história. E’ um pouco como aquele ditado que diz: “ não há pinheiro sem pinhão, pinhão sem pinha e pinha sem pinheiro”.

2 comentários:

  1. Bem verdade!
    Gostei muito da história!
    Um dia destes vou ao monte com o Fernando e os miúdos apanhar pinhas. Ele já me tem convidado,mas eu ainda " não arranjei tempo"! O teu texto foi um alerta!

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    1. Boa tarde. Obrigado por ires lendo alguma coisa que vou publicando.

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