quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Uma saudade diferente


                 ( Capela de Santo António - Lugar das Agras - Freguesia de Mansores - Arouca )


Na nostalgia de alguns momentos que tantas vezes nos acontecem, existem alguns que queremos que existam apenas adormecidos nos sonhos não sonhados. São pequenas recordações que nos vão acompanhando pela vida, querendo apenas que assim existam. Não é fácil em determinados momentos manter a coerência dos actos perante um certo avivar dessas mesmas recordações. Temo nessas alturas perder o controle emocional, ficar transparente. Acostumado a uma vida de si já muito preenchida, considero loucura estes momentos em que sinto uma enorme vontade de ao início voltar. Não troco por nada os tesouros que a vida me deu. Mas mesmo plenamente consciente de tudo, os pensamentos, as recordações de outros tempos permanecem vivas, não sei do que se alimentam. Por certo apenas existem porque tem que existir, porque de alguma forma devem existir. Tudo tem uma razão de existir. Não sou senhor de saber o que deva ou não existir, mesmo nos meus pensamentos, no universo a que pertenço. Se um dos propósitos da minha existência for o de abarcar com a dor de certas recordações, que assim seja, que assim sofra a dor por não a querer perder.
De uma forma simples recordo quem um dia tive o privilégio de conhecer, por algum tempo conviver. No percurso que a vida foi tomando, nossos caminhos se afastaram, até se perderem de vista, se perderem...
Por nunca ter acontecido o reencontro, acho saudável ainda manter vivas as recordações dos momentos que aconteceram. Sinto muita doçura por ter algo de tão especial para lembrar, recordar de um jeito sonhador como que ao passado se pudesse regressar. E nesse regresso viver o faz-de-conta até o dia terminar, até chegar a hora de voltar. E por estranha magia, o presente continuaria igual, parado, esperando o nosso regresso para continuar viagem, continuar acontecendo. Seria um pouco como os escritores que tem vários heterónimos, cada um à sua maneira, vivendo na mesma vida tantas vidas diferentes. Um ser Actor de forma diferente, diferentes personagens encarnando, todas elas reais, com vida, com alegria e sofrimento, tudo acontecendo no mesmo corpo, na mesma alma.  
Estranha forma este de pensar, de sequer acreditar que tal fosse possível, mesmo que o fosse. Tudo que na vida acontece transforma-nos. Como seriamos, como nos conseguíamos ver por dentro, os outros compreenderem? Fico apenas pelos sonhos que vou inventando, criando. Nesta forma de escrever o que vou pensando um certo arrepio se me dá. Poderá algum dia os sonhos que vou sonhando, construindo, transformarem a minha forma de ser e estar? Acho que não, o sonhar sempre fez parte, apenas temos que organizar tudo direitinho, não confundir a realidade com a imaginação. E o sonhar, o recordar são presença real do que somos, do que queremos ser, do que um dia também já fomos. Durante a minha adolescência tive a sorte de viver com um grupo de amigos fantásticos. Muitas aventuras realizávamos nesses tempos de pura magia, sem medos, sem receios, sem pensar nas crises económicas ou politicas. Foi um mundo maravilhoso aquele que existiu, que também fiz parte. Questiono mesmo se tanta informação que hoje nos chega é benéfica para o nosso bem-estar. Nesse tempo o mundo também girava, as coisas aconteciam. Nós é que só dávamos importância ao que realmente nos afectava directamente, sem medos disto ou daquilo. Se tal hoje fosse possível, se eu conseguisse tornar possível. Mas sinto que não consigo, tudo está interligado.
Não devo chamar ao que sinto saudade. Saudade é quando lembramos uma outra realidade que deixamos por algum tempo, sempre na esperança de lá regressar. Mas ao passado,
às recordações só podemos voltar no mundo dos sonhos, acordado ou dormindo. Mas também os sonhos podem ser tão diversos, realizáveis ou não. Quando sonhamos conquistar algo, realizar projectos, vivemos lutando para que eles se tornem realidade, deixem de ser sonho. Este é o que eu chamo de sonho real. O sonho de menino é diferente, apenas necessita de uma imaginação fértil para se tornar realidade, nunca o sendo. Ou seja, é sempre sonho, construído e vivido no mundo do sonho, do faz-de-conta. E é assim que acontece, que se realiza. Depois existe o sonho nostálgico, que é coisa mais para gente crescida, já um pouco ou muito vivida. E é nessas vivências que ele tem os seus alicerces, que ele ganha forma. No fundo é um pouco como pegar nas recordações que temos e criar uma história diferente daquela que aconteceu realmente. Nessa criação podemos realizar todos os sonhos que um dia tivemos mas que não se concretizaram. Ou simplesmente, mesmo que nesse passado não tivessem existido sonhos por realizar, criar tudo que a imaginação alcançar e deixar-se levar pelas emoções que irão surgir. Por certo existirão muitos outros tipos de sonho. Eu apenas lembro e argumento estes. Confesso que ainda os vivo todos, mesmo não sendo nenhuma criancinha. Gosto de o fazer, gosto de exercitar esta faculdade que temos quando interajo com os meus filhos, com os meus pais, com muitas outras pessoas que me são muito queridas. É salutar, faz-me sentir bem, faz-me viver.     

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