quarta-feira, 6 de junho de 2012

Olhar o olhar

Era assim, num olhar delicado, frágil,  que via quem ao redor estava, sentia quem não estava. Sem saber ao certo interpretar o seu significado, do olhar, procurava sempre descobrir algo.
O sentir, o comunicar com o olhar sempre me fascinou. Os olhares sempre me transmitiram muito. A forma como alguém o faz, a intensidade com que colhe tudo em redor. Mais do que a cor, o tamanho, são as expressões que ele manifesta. Não sei ao certo se sei avaliar um olhar. O que sei é o que sinto. E o que sinto nos olhares vai muito além do que eu possa compreender. Tantas  vezes de uma  forma tão intensa que nos fragiliza, quebra as muralhas que nos protegem, ficando expostos, quase "nus". Quase sempre me deixo levar, sem querer compreender tudo. Lembro mais os olhares que o rosto. Gosto de ser sincero com o meu olhar. Ás vezes tenho medo de me tornar transparente, recolho-me, procuro abrigo. Poucos merecem partilhar o que nos vai na Alma. 
Um pouco a história da janela aberta. O ser discreto, o gostar de estar onde se gosta, nada mais. O não deixar nosso olhar se aprisionar, preservando sempre a sua liberdade, o poder colher o mel em todas as flores, o beber em todas as fontes. Só de observarmos o olhar de alguém  podemos sentir se nele há alegria, vida, se é livre, se gosta de ser livre. Quantos poemas segredamos baixinho com o nosso olhar.Quero partir em busca dos olhares que eu um dia senti. Para lá das mais altas montanhas olhares devem existir que são puros, de uma beleza que nos absorve completamente. Quero tanto deixar-me aprisionar por aquele olhar que sempre me deixou ser livre, o olhar de menino. Longe de toda e qualquer mentira, busco perdidamente quem um dia me levou no seu olhar o meu olhar de menino. Há momentos que tentamos controlar nosso olhar, fazer sentir o que achamos que devemos deixar voar em redor, um pouco uma camuflagem que esconde o verdadeiro olhar, o sentir que na alma nos vá. Por medo, receio, para nos proteger, não ficar vulnerável. Mas nos momentos mágicos, que descobrimos na nossa vida, podemos abrir as janelas de par em par, deixar toda a luz entrar, em todos os bocados da nossa alma se alojar. E nesses pequenos e fugazes momentos, tornamos eternos os olhares que colhemos, que guardamos, como se de um paraíso se tratasse.
De tantas formas vamos sentido os olhares pela vida que vai crescendo, a tela que pintamos como uma doce e delicada aguarela de todas as cores. Hoje, já um pouco cansados, estes olhos que já foram de menino, que souberam rir,  choram. Não é um choro de tristeza, é um choro de saudade. Que alegria é pegar ao colo um filho e sentir o seu olhar, tão puro, tão sincero nos abraça, nos aperta o coração. Como nos esforçamos para esquecer as  amarguras da vida,  tentando retribuir, voltar a ter um olhar do tamanho do nosso menino ou menina. Mas só se torna sincero quando nos deixamos absorver pela magia do momento, como se uma luz divina ofuscasse tudo o resto. Então permanecemos como que a levitar, somos mais leves que o ar que respiramos. 
Ai de nós se pela caminhada da vida não temos pequenos instantes como este. Ai de nós. Que vazio seria o nosso olhar, sombrio, sem vida, sem luz. Que vazios seriamos. A saudade pede-me para ir por ai em busca dos olhares que ela um dia conheceu, antes de existir, e que por isso existe. Quero ir com ela, procurar por todo o espaço habitado esses olhares, que foram de alguém que um dia me olhou, tocou. Tão intensamente que parece perdurar eternamente.
Quero enquanto sentir, colher os olhares que me afeiçoam, me acarinham, me compreendem, me amam. Quero sentir que o meu olhar tem janelas abertas por onde anseiam que entre. Dias haverá que apenas o chão verão, as lágrimas pela face não escorregaram, um ombro amigo molharam. Mas não deixará de ser o meu olhar, o meu sentir, o meu estar de alma. O meu menino no colo hei-de embalar até sossegar, deixar de chorar, com os anjos  adormecer. Quantos olhares todos os dias desejamos encontrar, sorrir com eles? E quantos, sabendo que não vamos encontrar, um dia decidimos ir à procura, quebrar rotinas, dizer não aos que não nos amam, não nos querem bem? Que coragem seria preciso ter para tal loucura cometer?

Se do futuro queremos falar,
não basta a saudade invocar.
Os olhares que um dia colhemos
por certo não mais acharemos.

foram tempos que já foram,
momentos  que aconteceram.
A existir, será outro olhar,
outro sentir que devo esperar.

O sonho quero sempre guardar,
com memórias o vou alimentar.
Poderá um dia deixar de ser
e, para meu espanto,  acontecer.

A si, que também gosta de admirar os olhares que o rodeiam, estar atento, interpretar, sentir, ser discreto e delicado, saber respeitar, convido a ouvir um dia destes uma música que eu gosto muito: Ana Carolina e Seu Jorge " é isso ai".
Eu por vezes também não sei parar de olhar, de te olhar, beleza humana ou não, simplesmente o céu à noite nas estrelas adormecido. Tantas vezes o nosso olhar queremos guardar só para quem nos ama. Com a vida aprendemos que existi o ver com os olhos e o olhar. Tudo devemos ser capazes de ver, enfrentar sem medo. Mas o nosso olhar, esse ver envolto em sentimento, deverá ser sempre para quem nos ama, nos quer bem. 

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