sexta-feira, 5 de outubro de 2012

A escola, que já foi minha





Na semana passada, passei junto a um pequeno edifício que é único no lugar. Fica num sítio muito bonito, no lado nascente do meu lugar. Tem uma arquitectura bastante simples, simétrica, como uma borboleta. Dividindo ao meio, cada parte é o oposto da outra. É mesmo assim, tendo como eixo da simetria o meio da construção, onde estão duas placas de mármore: a maior em cima e a mais pequena em baixo. Entre elas ergue-se um pequeno mastro em ferro pintado que nasce de uma pedra em granito muito bonita e se eleva em direcção ao céu de forma oblíqua à parede do edifício. Descrevendo o que os olhos vêem de frente, as janelas são imensas por onde entra toda a luz do Deus sol. Em cada extremidade existe um pequeno átrio que dá para a sala onde cabe toda a luz que entra pelas janelas, que são imensas, e uma porta no canto ao fundo que dá para as casas de banho para as meninas, os meninos e também para a Senhora Professora ou o Senhor Professor.
Ia acompanhado com a minha mãe. Estamos no outono, as folhas que se deixaram cair dos ramos das árvores, adormecidas, juntaram-se todas junto ao portão da entrada. Quietas, todas juntinhas, estão barrando a passagem, que já há algum tempo deixou de o ser.
- Já não se ouvem as crianças! – Disse a minha mãe de um jeito triste, como que suspirando. Parei, olhei mais do que os olhos podiam ver. Também suspirei, como quando olhamos alguém que junto a nós jaz. Fez-se uns instantes de silêncio, cada um olhou e deixou o olhar por aqueles portões entrar, no recreio um pouco brincar para depois na sala entrar e juntar-se a toda a luz do lugar que ali se sentava nas carteiras, de frente para a ardósia que era preta e de seguida iria ser pintada do branco mais puro que a natureza nos dava. Decididamente o silêncio era assustador. Só um pouco do som das folhas secas, adormecidas, que o vento ali deixou, todas juntinhas, depois de com elas brincar. Neste momento era dos poucos que pelo recreio podia correr, jogar à macaca, ao pião, à barra do lenço, do penico, jogar à bola. Para mim, o momento foi desolador. A minha infância parecia ali adormecer, junto a ela para que não se sentisse triste, só. Tinham-lhe roubado todos os filhotes, era uma mãe enlutada que chorava a perda dos filhos, aqueles que também eram das mães da aldeia. Decerto não compreendia tal, sempre se dera de corpo e alma aos ensinamentos, às brincadeiras do recreio, a tudo que é natural acontecer entre mãe e filhos.
O sol, todos os dias, por ali passava o dia, sempre na esperança de reencontrar as luzinhas que nasciam em quase todas as casas da aldeia, tantas vezes mais do que uma. Por certo, passavam os dias a conversar na linguagem que só eles sabiam, mas que eu imagino também compreender. A minha mãe adorava aquela casa tão cheia de significado, mesmo para quem nunca se tinha sentado nas suas carteiras, ido ao quadro ou brincado no recreio. Mas não estou a ser correcto. Olhando-a, pensando mais profundo, também ela como todas as mães da aldeia se tinham sentado nas carteiras juntamente com as luzinhas que tinham dado à luz, que tinham cuidado e iam cuidando. Pensando melhor, toda a aldeia se sentava todos os dias da semana naquelas carteiras que davam para o quadro, que ensinavam como viajar no mundo maravilhoso da magia que os livros lidos têm.  O Senhor ou a Senhora professora sempre os acolhiam para lhes ensinar um mundo novo. Novo na magia das palavras que até então eram só faladas. Das contas que eram de somar e tantas vezes se sumiam para dar lugar à brincadeira. Das lousas pequeninas que cabiam na sacola de pano e que eram filhas da mãe ardósia, também preta, aquela que lhes ficava em frente quando estavam sentados nas carteiras. Ai a dor que não é só minha, mas que também é. Aquela que já foi minha e de tantos meninos e meninas que pintavam a aldeia de um colorido diferente com as suas vozes que ecoavam por todo o lado. Ai de mim que aqui estou perante Ti, que já foste minha, e que em nada sinto poder valer-te. Também eu com a graça de Deus te dei as minhas luzinhas para que as acolhesses dentro de ti, em ti aprendessem também o mundo mágico que só tu sabes ensinar o caminho para lá chegar, quem sabe por lá ficar sempre que apetecer. Perdoa-me pelo que não fiz e talvez devesse fazer. Perdoa aos Homens que te enlutaram, os teus e os nossos filhos roubaram. Perdoa-lhes pois Eles não sabem o que fazem.

Dia 05 de Outubro  de 2012

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