segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Mansores, apenas um sentir



Sempre acabamos a falar mais do mesmo. Não é um repetir enfadonho, é apenas o manifestar do que nos preenche a alma. Sentimos essa necessidade, de teimar em recordar, de dizer vezes sem conta para não esquecer, não esquecermos. Sempre acrescentamos mais alguma coisa para que a história possa parecer diferente. Um pormenor lembrado ou imaginado. Feito num tempo próprio, sentido e reflectido à luz das nossas vivências até então, um sentir do momento, no momento que essa história contamos. Mas quase sempre essa história é falada sem palavras, apenas meditada, nascida e vivida no nosso interior. Ousar revelar tais pensamentos é sujeitar-se, pôr-se a jeito para um mar de críticas, algo que de todo não queremos suportar. Não que nos atinja de morte, nos roube a vida de querer continuar sempre a falar, a exprimir esses sentires que nascem dentro de nós. Não sei ao certo onde, se no coração, no sentir que nos envolve, se no pensamento, nas nossas recordações. O que somos, ou achamos ser, sempre estará ligado “à terra” que nos acolheu e por sorte ainda nos acolhe. Essa "minha terra”, de nome Mansores, será sempre sentida de forma única por cada Mansoreano. É um propósito a que felizmente estamos condenados. A sua descrição será sempre um retrato pessoal. Muito mais que as suaves encostas, as pequeninas planícies, os seus cursos de água, a sua flora e fauna, o casario e seus moradores, os caminhos e carreiros que nos levam a percorrê-la e a ligam num todo, pelo menos fisicamente. Se divisões acharmos, serão coisa de gente, não da natureza que me parece dócil, irregular para não ser monótona. O criador ao desenhar todo este pequeno pedaço de terra, quedou mais alguns instantes para que a mão não tremesse, os montes fossem altivos para ao longe se poder avistar, sonhar, enquanto sentado a contemplar se estivesse. Com alguma facilidade se sobe desde o rio Arda até ao Castêlo, sem castelo, das “Lameiradas” ou dos ”Pousadinhos” até à “Bouça” ou até à “Ponte da Cela”, no fim do “Borralheiro”. Digo com alguma facilidade, mas com algum esforço físico devido ao declive. Mas é agradável fazer estas caminhadas. Já as fiz mais, quando era rapazola e o grupo resolvia ir tomar banho ao rio Arda. O nosso mar e praia das férias de verão eram o rio ou algum curso de água onde desse para chapinhar. Suave ao olhar dos olhos e da alma, logo da “Boavista” se pode desfrutar de uma pequena imensidão calma de campos majestosos no seu produzir, de uma bocado de floresta que emoldura o quadro de um pequeno retrato, sem esquecer os diversos casarios que mais acima sempre se situam. Este pequeno quadro vivo, está sempre a mudar. Acompanha as estações, o tempo das ervas verdes e tenrinhas, o tempo de a colher e seus campos lavrar, de semear o milho, de ver crescer, e, já maduro, de se colher. As vinhas, dispostas nas tradicionais ramadas para o vinho verde, que ainda há pouco rendilhavam a orla dos campos, foram na sua maioria retiradas. Sinal dos tempos, das mudanças dos hábitos de consumo da população em geral e das exigências do mercado, deixaram de ter o valor de outrora.
Ainda moro no lugar das Agras, que fica logo a seguir ao da Avitureira, segundo dizem talvez o primeiro, perto do rio Arda. Sempre gostei muito do meu lugar, como deve acontecer com todos e os seus lugares. Tendo a nascente como vizinho o lugar da Avitureira, estende-se no cimo de uma pequena encosta, virada a Sul, virada para os seus campos de cultivo. Mais ou menos a Oeste fica o lugar da estrada e completando, nas suas “costas”, a Norte, a floresta que se estende até à próxima Freguesia, a de Escariz. Desde muito cedo, como acontecia a quase todos no lugar, ajudávamos nas lidas do campo enquanto dávamos os primeiros passos na escola. Da convivência desse tempo e da de hoje, não sinto grande diferença no povo, na sua forma de pensar e agir. Preocupados com a sua subsistência, sempre existiram alguns conflitos ou por causa da água para regar, da servidão de um caminho para o monte ou para os campos, mas sempre pequenos. No passado como hoje, continuo a sentir muita dificuldade na realização de certas empreitadas em conjunto. Noto que ao longo dos tempos muitas obras de vital importância para o desenvolvimento e sustentabilidade da prática agrícola, e não só, não se realizaram por não haver consenso. Existe muita dificuldade em ver mais além, preparar o futuro colectivo. Um certo estigma se mantém de uma forma de pensar egocêntrica que impede a realização de projectos importantes, senão mesmo essenciais, para o futuro das novas gerações. Neste aspecto penso que partilham um sentir que é de cariz nacional. A nossa mentalidade, forma de estar e encarar a vida e os seus desígnios, impede-nos de acreditar no associativismo, no confiar nos outros para se resolverem ou participarem em projectos que necessitam da adesão de várias pessoas para se tornarem exequíveis, viáveis. Não vou citar exemplos práticos para não ferir quem quer que seja. Apenas este é o meu sentir enquanto morador desde que nasci, já lá vai o ano de 1966 (de boa memória para os amantes da selecção nacional, e para os Benfiquistas em especial e a sua pantera negra, Eusébio).
As mudanças levam o seu tempo, geralmente só acontecem nas gerações a ”seguir”. O que pretendo dizer, é que é muito difícil ver alguém a mudar a sua forma de estar e sentir as “coisas”, mudar mentalidades. O morador “tradicional”, na sua maioria, mostra muita relutância às mudanças, não as encara com bons olhos. Isto é sempre mau, seja em que época for. Mas, nestes tempos que vivemos, em que as mudanças são a cada instante, não as acompanhar é hipotecar tudo, o seu futuro e o dos seus “herdeiros”. Embora sinta que uma grande parte das novas gerações pense diferente, mais aberta, mais conhecedora de toda a realidade, mais instruída, ainda sinto que pode não ser o suficiente. Não que eu não queira acreditar, contribuir também para essas mudanças que julgo positivas. O que vejo, o que me é dado a perceber, muitas iniciativas dos jovens esbarram na “teimosia” dos velhos do “ Restelo” que teimam em fincar o pé, não aderir e muitas vezes fazer de oposição. Eu sei que determinadas atitudes, comportamentos, gostos, se educam em pequenino. Não existindo esse hábito, tudo se torna mais difícil. Se acrescentarmos a isto uma doença crónica de refutar a mudança, nada de bom se agoira. Não quero profetizar o que quer que seja. Este meu sentir não me agrada nada. Oxalá que seja apenas ilusão deste meu olhar. Mas mesmo pensando e sentindo assim, vejo alguns sinais que me agradam. Mansores continua a despertar a saudade dos que um dia tiveram que partir. Mesmo longe, nunca deixaram de amar esta terra que continuou a ser sua, sua amada. E quando se ama, quer-se bem, a saudade nunca adormece. Esse amor transforma-se em regresso, em obras que a Freguesia engrandecem. São muitos os exemplos desta ligação amorosa que os “nossos” emigrantes “teimam” em manter com a sua adorada terra. Mansores vive e ganha vida neste confluir de esforços dos que por cá moram e dos que nunca a esquecem. O concelho de Arouca, como acredito que todos os Concelhos rurais, mantém esta magia de se ligar eternamente aos que aqui nascem e a muitos que por aqui passam e se enamoram, se apaixonam. E como é bom ver todas estas paixões quando a “terra cresce”, se enche de nostalgia com o seu regresso, mesmo que sazonal. Terra altiva no seu olhar, de onde se contempla a Freita, sempre majestosa, é vista e sentida por muitos um lugar paradisíaco para se habitar, o corpo e a alma descansar. Apesar de ligar ainda muito a uma forma “antiga” de pensar, o seu povo é amistoso, trabalhador, muitas vezes “palrador”. Gostaria que Mansores não fosse só conhecido por “lendas de escárnio e maldizer”. Considero que faço parte de um povo simples, mas honesto e trabalhador. Se alguns exemplos existem que me contradizem, são maiores os exemplos de gente boa, altiva e nobre no seu pensar e viver que eu sinto existir. Muitos dos que por cá moram e dos que partiram, são exemplos de grandeza pessoal que vai mais além das fronteiras da Freguesia. Quem percorrer com alguma sensibilidade os poisos deste povo, descobre muitas individualidades que se destacam pelo mundo fora na sua forma digna de viver e construir obras nos mais diversos sentidos. Mais uma vez me renego a citar nomes, mas ainda há pouco tempo descobri um exemplo que me gratifica enquanto Mansoreano. Eu defendo, talvez por assim o ser, que não é condição essencial ter formação académica para se visionar e obra fazer. Que ajuda imenso, que dá mais valia, todos estamos de acordo. Mas nem todos temos essa oportunidade na vida. Um número significativo dos moradores da geração dos meus pais não sabe ler nem escrever. Por dificuldades económicas nunca tiveram essa oportunidade. Mas mesmo assim sempre foram um orgulho para a Freguesia enquanto gente honesta e trabalhadora, visionários do futuro não se pouparam a esforços para melhorar a educação dos seus filhos, proporcionando-lhes a oportunidade do conhecimento que a escola nos transmite. Ainda hoje vejo a maioria dos casais a fazer o mesmo. Desta nova juventude com boa formação escolar, espero ainda ver algo de muito enriquecedor na parte humana a acontecer. As rivalidades antigas entre os lugares vai-se desvanecendo, dando lugar a uma convivência mais saudável, mais enriquecedora para todos. Partilhando a mesma terra, é mais que natural que os nossos esforços sejam o de criar a cada instante um viver no presente mais estável para se poder almejar o futuro com optimismo. As dificuldades sempre existirão. O caminho sempre terá as suas “pedras”. O melhor é fazer como o Poeta, “que as recolheu todas para mais tarde fazer um castelo”. Que as “lendas do mar de Mansores” não precisem de ser esquecidas para que os seus propósitos não tenham razão de existir. Somos um povo simples, mas não “simplório”. Sabemos da luta que temos para a vida levar, dos “tesouros” que a nossa terra e as suas gentes tem para preservar. Seremos seus guardiões até ao findar dos tempos. Uma terra que consideramos nossa mas que a todos, que por bem a queiram, se dá, a todos anseia acolher no seu regaço, tal mãe que seus filhos ama e a amam. É este o meu sentir do que esta terra é para mim. Do que sou e desejo acolher, do que desejo ter para dar. Não busco nas palavras misericórdias dos que dela, da nossa amada freguesia de Mansores, escarnecem e ao seu povo pretendem ferir de morte no seu orgulho. Nunca me senti incomodado pelo contar desta ou doutra lenda do “mar de Mansores”. Apenas me entristece quem a mim me dirige a palavra com tão malfadado propósito de nessas lendas invocar meu ser, como pessoa simples, como motivo para seu escárnio me dizer. Como eu admiro as gentes simples e puras no seu viver, no seu pensar. Como acho nobre   não se precisar de  escarnecer de outrem,   para se ser altivo no ser e viver.
Mais do que as recordações, é hoje o conviver com as novas gerações que de alguma forma me faz acreditar. Saber que quando se ausentam, à espera de voltar sempre estão. É uma nova gente, como eu também fui, fiz parte noutro tempo. É nesta renovação constante de gerações que a nossa linda terra absorve a sua vida, continua viva. Enamorados sempre sejamos, nós e a nossa fecunda terra. Uma paixão que perdure, mesmo longe dela. Somos um pequeno “povo” que ama a sua terra, que labuta para a merecer. Se um desejo pudesse pedir, nada mais que poder para sempre aqui viver e laborar, em suas encostas pousar o meu olhar. Nas conversas com os vizinhos buscar inspiração para a poder descrever em verso ou prosa, minha querida e sempre altiva,  “terra de Mansores”.         

2 comentários:

  1. Não sou, nem conheço Mansores mas admiro a forma como é descrita e amada esta Terra. Parabens

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    1. Obrigado. Já há muito tempo que não visitava este meu blog. Foi com espanto que vi o Seu comentário e senti uma "pontinha de vaidade" após o ler. Nunca pensei que este texto um dia seria comentado, e mais ainda por alguém fora do meu grupo de amigos ou conhecidos. Mais uma vez muito obrigado.

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