quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Sopa de pedra




Todos conhecemos a história da sopa de pedra. Contada de diversas maneiras acaba sempre com a mesma mensagem. A minha mãe costuma dizer que havia um saber popular que se dizia à rapaziada mais nova no intuito de eles valorizarem as coisas, por pouco que pudesse parecer. Quando era inverno, já para o fim, muitas vezes a lenha seca, que se tinha guardado no verão, acabava. Então a patroa da casa mandava, ou ia, aos montes para trazer o que houvesse. Só que os mais novos não estavam para ai virados e quase sempre respondiam:
- Vou buscar lenha molhada? Não sei para quê, tenha juízo.
E lá vinha o saber da vida tentar incutir alguma sabedoria naquelas cabeças ainda não conscientes das realidades que a vida pode tomar, da forma como com elas lidar:
- Olhai meus meninos, ficai sabendo que a lenha molhada arde melhor do que a cinza seca.
Sempre foi lema o aproveitar, o saber aproveitar o que se tinha. As gentes sabiam bem o que era viver além das suas possibilidades. Pedir emprestado pode ser muito mau. Pagar os juros de uma dívida pode levar uma vida. O melhor era sempre saber viver com o pouco que se tinha, acho que ainda o é. Concordo que quando se trata de um investimento a longo prazo é preciso inicialmente “ semear para colher mais tarde”. Mas pautar uma vida sem regras, consumir mais do que se produz, da riqueza que se cria, dá sempre no que dá. Vejamos o actual estado do país. Por mais voltas que se dê, a dívida que fomos acumulando tem que ser paga. Mas isso não é tudo, o pior mesmo são os juros sujeitos a todas as especulações a que estamos sujeitos. Poderá acontecer que nem que se trabalhe vinte e quatro horas por dia, trezentos e sessenta e cinco dias por ano, chegue para nos livrar deste fardo. Por vezes é necessário fazer a sopa de pedra com o que temos, queimar a lenha molhada para cozinharmos e nos aquecer. Quando defendo esta forma de ser e estar na vida, não pretendo dizer que se deva estagnar, não evoluir. Só que não devemos fazê-lo com os olhos fechados, sem saber onde pomos o pé. A vida de uma geração não deve servir para criar dividas que as gerações seguintes tenham que pagar. O governar uma casa tem muito que se lhe diga, como governar um país. É com alguma tristeza e desolação que tenho que recuar no tempo, até antes de vinte e cinco de Abril de 1974 para encontrar um governante que “sabia de economia”. É mesmo muito triste, porque eu ainda continuo a acreditar que uma democracia pode ser também uma forma de governar sustentada. Não basta escrever numa constituição que qualquer cidadão tem direito à liberdade, se, em seguida, o escravizamos a trabalhar para pagar as dívidas que esses mesmos “Senhores” fazem. É de todo verdade que se possa dizer que em Portugal se vive um regime de liberdade? Mas afinal o que se entende por liberdade? Serei eu livre se puder tagarelar o que quiser da boca para fora enquanto me sinto acorrentado ao dever de trabalhar sem descanso, sem motivação, apenas para servir determinados “senhores”? Será isto ser livre? O melhor, se calhar, é fugir para bem longe, para o interior do Portugal profundo, onde não existe electricidade nem água canalizada, não passa o correio, tão pouco estradas alcatroadas, e esperar que “arda no confim dos infernos” toda esta escumalha maldita que nos colocou nesta situação. Não aceito que se continue este ciclo vicioso. Não acredito que sem uma revolução de verdade, afastando do poder esses traidores da Pátria, pátria que eu tanto amo, seja possível  alcançar uma liberdade pura e responsável. Como eu gosto deste Portugal, das bonitas cidades e vilas cheias de história, das aldeias perdidas nas serras, de gente que trabalha, que aguenta todos os sacrifícios que por vezes a mãe natureza lhes inflige. Mas nunca a odeia, mesmo triste e barafustando tantas vezes, mais vezes a continua a amar. Como este povo, que lavra os seus campos, pesca nos seus rios e mar, que trabalha em tantas artes, ofícios e serviços merece muito mais dos que o governam. É demasiado triste não se poder confiar. Os casos de corrupção nos diversos poderes são por demais conhecidos. A irresponsabilidade de tantos que ocupam cargos públicos nunca é punida. Como pode um povo almejar a liberdade, se não se sabe governar?    

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