Todos conhecemos a história da
sopa de pedra. Contada de diversas maneiras acaba sempre com a mesma mensagem.
A minha mãe costuma dizer que havia um saber popular que se dizia à rapaziada
mais nova no intuito de eles valorizarem as coisas, por pouco que pudesse
parecer. Quando era inverno, já para o fim, muitas vezes a lenha seca, que se
tinha guardado no verão, acabava. Então a patroa da casa mandava, ou ia, aos
montes para trazer o que houvesse. Só que os mais novos não estavam para ai virados
e quase sempre respondiam:
- Vou buscar lenha molhada? Não
sei para quê, tenha juízo.
E lá vinha o saber da vida tentar
incutir alguma sabedoria naquelas cabeças ainda não conscientes das realidades
que a vida pode tomar, da forma como com elas lidar:
- Olhai meus meninos, ficai
sabendo que a lenha molhada arde melhor do que a cinza seca.
Sempre foi lema o aproveitar, o
saber aproveitar o que se tinha. As gentes sabiam bem o que era viver além das
suas possibilidades. Pedir emprestado pode ser muito mau. Pagar os juros de uma
dívida pode levar uma vida. O melhor era sempre saber viver com o pouco que se
tinha, acho que ainda o é. Concordo que quando se trata de um investimento a
longo prazo é preciso inicialmente “ semear para colher mais tarde”. Mas pautar
uma vida sem regras, consumir mais do que se produz, da riqueza que se cria, dá
sempre no que dá. Vejamos o actual estado do país. Por mais voltas que se dê, a
dívida que fomos acumulando tem que ser paga. Mas isso não é tudo, o pior mesmo
são os juros sujeitos a todas as especulações a que estamos sujeitos. Poderá
acontecer que nem que se trabalhe vinte e quatro horas por dia, trezentos e
sessenta e cinco dias por ano, chegue para nos livrar deste fardo. Por vezes é
necessário fazer a sopa de pedra com o que temos, queimar a lenha molhada para
cozinharmos e nos aquecer. Quando defendo esta forma de ser e estar na vida, não
pretendo dizer que se deva estagnar, não evoluir. Só que não devemos fazê-lo
com os olhos fechados, sem saber onde pomos o pé. A vida de uma geração não
deve servir para criar dividas que as gerações seguintes tenham que pagar. O
governar uma casa tem muito que se lhe diga, como governar um país. É com
alguma tristeza e desolação que tenho que recuar no tempo, até antes de vinte e
cinco de Abril de 1974 para encontrar um governante que “sabia de economia”. É
mesmo muito triste, porque eu ainda continuo a acreditar que uma democracia pode
ser também uma forma de governar sustentada. Não basta escrever numa
constituição que qualquer cidadão tem direito à liberdade, se, em seguida, o
escravizamos a trabalhar para pagar as dívidas que esses mesmos “Senhores”
fazem. É de todo verdade que se possa dizer que em Portugal se vive um regime
de liberdade? Mas afinal o que se entende por liberdade? Serei eu livre se
puder tagarelar o que quiser da boca para fora enquanto me sinto acorrentado ao
dever de trabalhar sem descanso, sem motivação, apenas para servir determinados
“senhores”? Será isto ser livre? O melhor, se calhar, é fugir para bem longe,
para o interior do Portugal profundo, onde não existe electricidade nem água
canalizada, não passa o correio, tão pouco estradas alcatroadas, e esperar que
“arda no confim dos infernos” toda esta escumalha maldita que nos colocou nesta
situação. Não aceito que se continue este ciclo vicioso. Não acredito que sem
uma revolução de verdade, afastando do poder esses traidores da Pátria, pátria que
eu tanto amo, seja possível alcançar uma liberdade pura e responsável. Como eu
gosto deste Portugal, das bonitas cidades e vilas cheias de história, das
aldeias perdidas nas serras, de gente que trabalha, que aguenta todos os
sacrifícios que por vezes a mãe natureza lhes inflige. Mas nunca a odeia, mesmo
triste e barafustando tantas vezes, mais vezes a continua a amar. Como este
povo, que lavra os seus campos, pesca nos seus rios e mar, que trabalha em tantas artes, ofícios e serviços merece muito mais
dos que o governam. É demasiado triste não se poder confiar. Os casos de
corrupção nos diversos poderes são por demais conhecidos. A irresponsabilidade de
tantos que ocupam cargos públicos nunca é punida. Como pode um povo almejar a
liberdade, se não se sabe governar?
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