segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A mina dos "Moiros"




A mina dos “Moiros”

                Contadas de gerações em gerações, todas as terras guardam as suas lendas. Numa terra com uma história já muito antiga, essas lendas ganham vida nas descrições orais que se ouvem dos mais antigos. Depois, é a imaginação de cada um que a faz acontecer, tornar-se real nesse mundo imaginário que sempre guardamos. De um tempo que o tempo há muito deixou longe, a perder-se nas memórias, não se sabendo ao certo quando começou. Mas são lendas que aquecem a alma dos que em redor de uma fogueira se juntam para aquecerem o corpo. Contadas de um jeito especial por cada um, que um dia também a ouviu, vão alimentando o gosto natural pelo mistério, pelo desconhecido. E sabem tão bem, quando se prolongam noite dentro, ou num outro tempo qualquer. E se for mesmo verdade? E se ainda lá estiver a grade de oiro que os mouros esconderam no fundo de um “poço” do rio Arda ou no rio “Mau”? E se a mina ainda guardar todos os tesouros que decerto esses povos antigos possuíam? E se a “Moira encantada” nos aparecer, como será ela, que nos fará? De um arrepio na alma, passamos logo a imaginar, a desejar que tal nos suceda. Seja lá como for, não temos medo de nada, nesse imaginário que nos invade, nos toma no todo.
                A mina dos “Moiros” fica perto do rio arda, escondida na densa floresta, para que ninguém a ache. Ali se escondeu, fugindo de todos os olhares curiosos, da malvadez que pudesse acontecer de um estranho, movido pela ganância, a despojasse de todos os seus tesouros. Assim sempre tem sido, tesouro escondido, a mente imaginando, a alma alimentando. Mas neste concelho de Arouca existem várias minas dos “Moiros”. Escavadas na rocha dura, com uma entrada sempre estreita, suscita muita curiosidade o local onde foram construídas. Não existindo vestígios de campos de cultivo por perto, se não eram para obter água, com que propósito foram construídas? Conta a minha mãe que existe uma que fica perto de um caminho que costumava percorrer, entre Carvalhal Redondo e Arouca, por entre as montanhas, lá no alto de uma. No exterior existia um pequeno quadrado de terreno onde apenas cresciam fetos. Diziam que era uma eira onde os “Moiros” costumavam assoalhar o oiro. Quando criança, com os seus doze anos, lembra-se de atirarem pedras para o seu interior e de se ouvir um barulho como a “tilintar”. Corriam, a sete pés, não vá a “Moira” encantada acordar e os levar. Esse barulho era atribuído ao som que as pedras faziam ao bater no oiro lá guardado. Mesmo com tanto mistério, ninguém se aventurava muito no seu interior. O medo era maior que a curiosidade.
Ao ouvir estas histórias em miúdo, ficava a imaginar uma forma de descobrir, desvendar o mistério envolto nessa “mina encantada”, a mina dos “Moiros”. - Os seus tesouros tenho que encontrar. Enquanto não adormeço, vou imaginar a loucura que seria nela entrar. Percorrê-la no seu todo, seguir com os meus olhos o trabalho que alguém teve ao escavar a rocha dura, abrindo caminho no interior da terra mãe. Quero ir devagar, com companhia para não me assustar, um par de lanternas para que a luz ilumine os passos do meu olhar. Mas tem que ser tudo bem pensado. Vou reunir o meu grupo de amigos, o grupo de aventuras (da adolescência). Ver quem vai à frente, quem fica na entrada. O melhor é levar uma corda muito grande, amarrar-se a ela enquanto nos vamos aventurando no seu interior. Temos que combinar sinais para que se alguma coisa correr mal, os que ficaram à porta nos possam puxar. O melhor é ser de verão, logo pela manhãzinha. Os dias são mais longos, a luz é mais intensa. Bem agasalhados, com um capacete e óculos de protecção, botas resistentes, luvas nas mãos, lá iremos nós. Não vamos falar no assunto a mais ninguém. Será um segredo só nosso. Assim, se encontrarmos algum tesouro, será só nosso. Ficaremos tão ricos que poderemos fazer tudo o que nos apetecer. Já não vamos precisar de ir à escola ou trabalhar. Vai ser só brincar, outras aventuras imaginar e realizar. Iremos ser senhores de todas as minas dos “Moiros” que existirem. Valentes, destemidos, enfrentaremos com coragem todas as “Moiras encantadas” que se revelarem. Enamorados seremos da sua beleza, da sua magia, do seu encanto, tal sereia que nos encanta, nos enfeitiça. Deixaremos que nos leve de volta no tempo, ao seu tempo. Manter-nos-emos todos juntos, bem pertinho um dos outros. Assim não teremos medo, nada nos assustará, nos intimidará de prosseguir. Mas temos que nos despachar, não vá em casa sentirem pela nossa falta. Não podemos demorar todo o dia. Era o bem bonito, se há noite não aparecêssemos. O melhor é ser ao domingo. Dizemos que vamos fazer um piquenique junto ao rio Arda. Todos os preparativos têm que ser feitos durante a semana, às escondidas. Vamos guardar tudo bem escondido, não podemos alertar a curiosidade de quem quer que seja. É um segredo só nosso.
                A corda já sei como vai ser: levamos as três cordas de carro de bois que cada um tem em casa. Depois, é só amarrá-las umas às outras, e já está. As botas serão as galochas de borracha que existem em casa para regar. As luvas depois vai-se ver. Se não houver, não faz mal, assim como o capacete e os óculos de protecção. São apenas pequenos pormenores, nada que nos faça demover. É preciso pensar se o ar é respirável ou não. Vamos levar uma candeia, daquelas que ainda existem por lá, em algum sótão. Se ela se apagar, é porque não há oxigénio. Assim é muito simples, não vá “o diabo tecê-las”. Como planeamos passar lá todo o dia, levamos um pequeno farnel, qualquer coisa que se arranje lá por casa. Vamos estar tão ocupados que nem tempo vai haver para pensar em comida. Em menos de uma hora chegamos lá. Vamos pelos carreiros que é mais rápido. A descer não custa nada. O pior vai ser à noite, quando regressarmos. Mas por agora não vale a pena pensar nisso. Lá dentro vamos caminhar devagar, ver bem antes de dar o passo seguinte, não vá existir algum poço e cairmos lá. Se tiver poços, temos que arranjar paus para passar por eles. Uma mina assim deve ter muitos esconderijos lá dentro, sendo ela também já um esconderijo. Aposto que encontraremos de um lado e do outro, minas mais pequenas, filhotas da mina mãe. Mas primeiro, vamos desvendar a principal, ver onde nos leva. Deve terminar numa enorme “sala”. Um espaço enorme, cavado na rocha dura, mais alto que a mina. Em redor, um degrau acima do salão enorme, inúmeras minas mais pequenas que seriam os aposentos individuais de cada um. Ao centro, uma enorme mesa redonda, talhada de uma grande tronco de castanheiro, para durar mais. Os bancos devem ser feitos de troncos redondos, mais finos, com uma cavidade escavada neles, para serem mais confortáveis. Mas como será que iluminam os seus aposentos? Haverá alguma abertura até ao exterior? E para se aquecerem, poderão fazer fogueiras? E para onde iria o fumo? Agora tudo começa a ser mais difícil de prever, de imaginar. Para haver uma abertura, seria estranho, como é que a conseguiriam fazer até ao topo do monte? Não podemos esquecer que a mina deve ser muito comprida. E quanto mais comprida, maior a distancia até ao cimo do monte. A não ser que atravessasse o monte de um lado ao outro. Seja lá como for, depois se verá. E os tesouros, onde estarão escondidos? Numa dessas minas pequenas, debaixo do tronco enorme que fazia de mesa? E como será ele? Muitas peças trabalhadas em ouro, de todos os tamanhos? Temos que pensar bem antes de o trazer, onde o vamos guardar. Se alguém desconfia, vai ser o cabo dos trabalhos. O segredo tem que ser absoluto. Nenhum de nós pode piar. Se calhar, temos que o guardar até sermos grandes e sabermos o que fazer com ele. Vai ser uma chatice descobrir assim um tesouro e não podermos fazer nada. Para ninguém desconfiar de nada, temos que continuar a ir à escola, a trabalhar. Porra para o tesouro da “mina dos Moiros”. Bem vistas as coisas, vai ser uma dor de cabeça. E se for muito grande e pesado, como é que o vamos trazer para o lugar, onde o vamos esconder? Já sabemos andar com os bois ao carro, mas como é que vamos explicar que precisamos de levar os bois para perto do rio arda? Os nossos pais vão achar que estamos malucos, seja lá a desculpa que inventemos. Que raio, cada vez está mais complicado. E eu a pensar que o mais complicado seria entrar na mina escura e húmida. Isso até é fácil, assim como descobrir o tesouro. O pior mesmo é transportá-lo para nossas casas, guardá-lo em segredo até sermos grandes. E se alguém descobre, e nos rouba? Não podemos dizer que nos roubaram, ninguém ia acreditar. E se fossemos à guarda, ainda íamos presos por nos termos apoderado de um tesouro que não era nosso. Estamos tramados, estamos por nossa conta. Somos uns poucos, mas ainda muito franzinos. Se nos derem uma carga de porrada, fugimos logo para casa, sem saber o que fazer. Bom, isto está mesmo complicado. Pensando bem, o melhor é deixá-lo por enquanto lá escondido. Como ninguém o descobriu ou teve a coragem de o ir procurar até hoje, mais meia-dúzia de anos não faz diferença. É, o melhor mesmo é não contar nada ao grupo; pelo menos por enquanto. Ainda começavam todos a contar tudo sobre o tesouro: ia ser o cabo dos trabalhos. No outro dia estaria lá todo o lugar há procura. Ia ser o bem bonito, levarem-nos o tesouro que era “nosso”. Não, está decidido. Desta maneira é que não pode ser. Pensando bem, o melhor é eu manter o segredo. Quando já for um rapaz crescido é que irei contar a todo o grupo. Por enquanto não penso mais nisso. - E assim adormecia, pequeno sonhador.        A mina dos “moiros” continua lá, cheia de mistério, cheia de tantos “tesouros”.
25 de Novembro de 2012

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