domingo, 6 de maio de 2012

Escrever é registar, deixar algo,...


UM OUTRO TEMPO, INOCENTE, QUASE QUIETO

Neste estado de alma de recordar o passado com alguma nostalgia, é fácil relembrar a época dos “retornados”. Teria por volta de oito ou nove anos. As mudanças no dia-a-dia da aldeia foram notórias. Muitos regressaram ou simplesmente vieram. A novidade da situação, as caras novas na escola, tudo se alterou. Recordo com saudade esse tempo. Acho que nunca me apercebi de toda a realidade que envolvia a situação. Apenas via o lado que conseguia entender. Pouco se falava nesse tempo da integração. As coisas iam acontecendo naturalmente. Não me lembro de sentir qualquer tipo de exclusão dos que chegaram. Contudo ao escrever estas linhas interrogo-me sobre o outro lado. Acho que nunca perguntei ou achei haver necessidade para isso. No entanto, agora, passados tantos anos, gostava de ter essa conversa. Um dia destes vou por aí ao encontro das figuras do passado que entretanto cresceram, viajaram uns para cada lado. Não sei como os vou encontrar. Se calhar mandarei recados pelo vento que me acaricia a face nos dias em que me elevo perante a sua passagem. Vou-lhe pedir em segredo, segredos que gostaria de saber do passado que nunca existiu. De certo será o meu melhor confidente.
Desse tempo de atribuladas mudanças houve algo que impediu uma maior tragédia humana. O facto de haver no mundo países irmãos que partilhavam a mesma língua permitiu o escoamento em várias direcções do globo de milhares e milhares de pessoas que todos os dias chegavam a Lisboa. Poucos têm a noção da logística que existia na capital para fazer face a uma imensidão que afluía “fugida” de Angola e sem destino certo. O Brasil foi um dos grandes refúgios para milhares de portugueses. A mesma língua permitia uma oportunidade mais fácil para tentar um recomeço de vida. Tento imaginar aquelas famílias famintas, sem nada, os pais aconchegando os filhos nos braços cansados, as instituições de caridade acorrendo com agasalhos e refeições dentro do que tinham. Temeu-se uma catástrofe humana. Mas hoje os senhores de cravo vermelho, como ontem, passam ao lado de todo este drama humano. Mas é importante não estar apenas obcecados com falar a mesma língua no aspecto económico e de trabalho. A língua é muito mais. Partilhar a mesma língua é partilhar toda a cultura que lhe está associada. Anda muita gente a esquecer-se disso e apenas preocupada com o fulano falar ou entender as ordens de trabalho que se lhe dão. Ai meus meninos de rabo crescido, que maus que vocês são. Se eu pudesse a tareia que lhes dava. Deixem crescer e ser gente essa gente que tanto o quer.     
   O António Manuel é um dos que ainda hoje tenho a sorte de encontrar de tempos a tempos e conversar. No inicio, fiz uma pequena brincadeira. Foi assim: um dia, não interessa qual nem quando, estávamos a brincar junto à casa dos meus pais. A casa dos meus pais fica situada junto ao largo da Capela de Santo António e dantes existiam duas oliveiras no adro. Era hábito juntar-nos em redor da sua sombra numa almofada de relva macia que junto a elas crescia. Era altura de colher as azeitonas e eu perguntei-lhe se ele gostava de azeitonas. A resposta foi positiva, ao que eu lhe disse para ele provar uma azeitona colhida da oliveira. Foi uma risada  vê-lo a cuspir tudo. Ficou a saber que alguns frutos não s e conseguem comer a sair da origem. Nos tempos que se seguiram formamos um grupo de amigos que ainda hoje não esquece a sua história. Desse tempo fica também a lembrança do primeiro contacto com colegas de outra cor. Ao princípio algum receio. Depois tudo foi normal. Afinal não passavam de miúdos como eu, com os seus problemas e capacidades à procura de um lugar entre todos. Acho sinceramente que no caso que conheci a integração foi natural. Sei que nem sempre é assim. Os medos, os preconceitos sempre existiram. Só a convivência dilui esses medos e nos transporta para uma realidade comum. Aceitar as diferenças é sempre o maior desafio mas a única solução para o equilíbrio social sustentável. Hoje vivemos numa aldeia global. O grande desenvolvimento dos meios de transporte permite que pessoas e bens se desloquem com tanta facilidade que é quase certo que todos os povos existem e coabitam em todos os locais do mundo. Portugal sempre foi um País tradicionalmente de emigrantes. A procura de novas oportunidades em países com melhor desenvolvimento convidava à aventura e procura de melhores condições de vida no estrangeiro. Com a queda do muro de Berlim e o fim do comunismo, assistimos a uma imigração em grande escala dos países de Leste à procura de melhores condições de vida no Nosso país. Actualmente essa onda de imigração está a diminuir devido à grave crise económica que atravessamos internamente e à melhoria das condições de vida nos seus países de origem. No entanto é constrangedor ver situações de emigrantes dos países africanos que arriscam tudo para procurar um futuro melhor. A comunidade internacional não tem conseguido lidar da melhor forma com todo este dilema social. Antes de mais é preciso ajudar os países de origem desses povos a terem alguma dignidade de vida e esperança num futuro melhor. Muitos Países africanos são ricos em recursos naturais mas apenas uma pequena faixa de poderosos usufrui, deixando o seu povo a morrer à fome. Portugal, enquanto pátria de uma língua que por muitos é partilhada, não deve fugir às suas responsabilidades. A descolonização foi das maiores vergonhas associadas aos senhores da revolução dos cravos. Se repararmos bem, ficamos impressionados com todo o mundo Lusófono. Não saber interpretar esta realidade é um grande erro.
São muitos milhões, destacando-se o Brasil que é em muitos domínios uma potência mundial. Já tive familiares em Angola e que hoje vivem no Brasil. A saudade é muita. É uma mistura do que é e do que sonhamos. As dificuldades económicas, a busca de melhores oportunidades levam a caminhadas diferentes. Sente-se sempre um aperto no coração quando a lembrança os traz de volta. Por vezes, todo o corpo estremece e soltam-se algumas lágrimas mais descuidadas, que estavam mesmo na beira do parapeito de um olhar entreaberto. Falar de países africanos de língua oficial portuguesa é mergulhar numa história muito complexa e emitir opinião sobre uma realidade muito frágil. Hoje assiste-se a um regresso de muitos portugueses em busca de uma realidade melhor que a que o país neste momento oferece. É preciso olhar para a história e não repetir os erros. Os povos gostam da sua autodeterminação. Cuidado com algumas ideias antigas que eventualmente possam acompanhar mentes menos abertas. É bom sentir que esses países começam a dar passos reais para a melhoria das condições de vida de toda a sua população. Bom para eles e para o equilíbrio mundial. Todos os Povos têm o direito a serem felizes, a ter alimentação e cuidados de saúde básicos. Os países mais ricos tem que entender que não podem continuar eternamente a subjugar os mais pequenos às suas vontades, sem respeito pela dignidade humana, tendo como único fim o aproveitamento das suas riquezas naturais e exploração da sua mão-de-obra. Para o cidadão lusófono abre-se uma imensa área de procura de oportunidades em que a língua não é obstáculo. Devemos aproveitar essa mais-valia e manter viva esta língua que nos une a todos e que é de todos os que a valorizam e a acolhem. Como alguém disse “ a língua é a minha pátria”. É gratificante ouvir outros povos falarem e principalmente cantarem a mesma língua que nós. Que seja um sentimento mútuo é tudo o que desejo para a preservação desta riqueza. Talvez a maior que espalhamos pelo mundo e imortalizada pelos nossos artistas em tantas áreas como a escrita e a música. Ai a música. Como é bom ouvir um poema cantado por tantos e tantas brasileiras. Não vou mencionar nomes ou títulos dos temas que mais gosto. Apenas quero dizer que arrepio com certos duetos ou solos que nos cantam coisas simples e tão familiares que nos despertam a alma e criam uma paixão tão forte que a viagem pela nostalgia das recordações vividas ou imaginadas não tem fim. É de todo impossível descrever o amor que sinto por tanta música cantada em português nos diversos tons ou sotaques ou o que lhe quiserem chamar. Deixem apenas ser mais um dos que partilham. Deixem-me embalar num doce sono da ternura que me invade primeiro o corpo, depois a alma. Ai como nos regala a alma brincar ao faz de conta debaixo de um pé de laranja lima. Um dos meus maiores prazeres é a música. Quando cantada na nossa língua mais me fascina. A música Brasileira tem uma doçura e calor próprio. É inimitável.



Quem não conhece ou não ouviu coisa mais linda como “garota de Ipanema”

Olha que coisa mais linda
Mais cheia de graça
É ela menina
Que vem e que passa
Num doce balanço, a caminho do mar

Moça do corpo dourado
Do sol de Ipanema
O seu balanço é mais que um poema
É a coisa mais linda que eu já vi passar

Ah, porque estou tão sozinho
Ah, porque tudo é tão triste
Ah, a beleza que existe
A beleza que não é só minha
E também passa sozinha

Ah, se ela soubesse
Que quando ela passa
O mundo inteirinho se enche de graça
E fica mais lindo
Por causa do amor

( Tom Jobim )


Eu pertenço à geração que viu surgir o rock e o pop cantado em português. Antes era quase impensável. Depois surgiram tantas bandas e que ainda hoje perduram. Ainda hoje gostamos de “chiclete”. Bem precisamos de manter viva a nossa língua, este património colectivo.

  

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