terça-feira, 15 de maio de 2012

Filhos e filhotes

É num misto de alegria e tristeza que vamos vivendo as mudanças da vida. Um dia após outro, muito discretamente, o quadro da nossa vida vai-se pintando. Ora de cores alegres, ora de tons mais acinzentados ou mesmo negros. Mas sem dar-mos quase por isso. É mais um dia que passa, uma semana que termina, um mês que acaba, um período que finda, um ano que já foi. Naqueles momentos que paramos, abrimos um livro da escola, um álbum mais adormecido, e deparamos com as mudanças que ocorreram. Os filhotes já há muito que deixaram o berço. Vem a saudade desse tempo envolta numa certa nostalgia. Não que nos desagrade vê-los a crescer. Só que fica a saudade de um tempo maravilhoso que nos aconteceu. Por vezes há o desejo de voltar lá, fazer mais um mimo. Fico a imaginar, a recordar, a tentar acrescentar algo que parece faltar. O modo de viver não é uniforme. Existem fases em que valorizamos muito, não nos cansamos de registar tudo para que no futuro possamos recordar quase o movimento do dia-a-dia. No entanto outras fases existem em que as nossas atenções se viram para um problema de saúde, de trabalho, de ajudar alguém que atravessa uma fase má, enfim, coisas da vida. E acontece faltar o registo mais minucioso na nossa galeria de recordações. Fico triste, mas já nada posso fazer. Daí a grande questão que se levanta na nossa forma de viver. A importância de não nos deixarmos abalar em demasia por esta ou aquela situação que se Deus quiser será passageira. Isto assim dito até parece simples de concretizar. Mas não é. São batalhas muito intensas que temos que travar para protegermos os "valores" que mais amamos. Lembro com alguma tristeza fases da minha vida em que não estive presente como desejava devido a problemas de saúde. É algo trivial, que acontece a muita gente. Por isso aconselho que, mesmo debilitados, nunca se perca uma oportunidade de estar presente, de marcar a vida seja de que jeito for.
Por vezes valorizamos mais quando o esforço é gigante. As lembranças vão se diluindo com o passar dos anos, por vezes chegamos a confundir o sonho do que foi realidade. Existem sempre momentos que se fundem de tal forma que nunca serão esquecidos. São pequenos gestos, palavras, brincadeiras que ficam vivas eternamente na nossa memória. Não guardo todas que desejava, mas as que guardo valem bem os trabalhos que qualquer pai passa para criar os filhos.
Existem momentos que duvidamos do percurso que fizemos, das decisões que tomamos, da forma que fomos educando. Sinto que em certos aspectos a nossa relação com a vida e em particular com os filhos é comparada à vida de um agricultor. Por mais que se trabalhe, que se cuide, existem muitos factores que não controlamos e que nos podem desfazer uma colheita. Se doí ver uma colheita destruída, como será ver uma vida perdida?
O amor que dedicamos aos filhos é incondicional, mas no fundo esperamos sempre colher um sorriso, um abraço mais forte, uma palavra mais cuidada, um estar presente naqueles momentos, um amparo se for necessário. É verdade, sempre que o agricultor lança uma semente à terra, deseja ver crescer uma planta com vigor, à procura do sol para se alimentar. E espera um dia colher um fruto, uma espiga, uma flor, ou lá o que ela deva dar.
Se os tempos mudam, os princípios acho que não. Embora a forma, a maneira como educamos seja diferente, tem sempre o mesmo objectivo: que cresçam fortes e saudáveis e que saibam procurar a felicidade do jeito que acharem. É importante atingiram uma boa autonomia, respeitarem valores universais, e que sejam únicos na sua forma de estar e dar-se à vida.
Nós pais, estaremos sempre cá, ou onde for preciso. No fundo não sei o que realmente queremos: se eles levantem voo ou permaneçam no ninho. É uma inevitabilidade a partida, mais cedo ou mais tarde. Que voem bem alto, que gostem de voar, e por sorte não esqueçam o caminho de volta sempre que quiserem.
- ai de mim, ai de vós que ides
  mais além, mais adiante, voando.
  A lágrima, a dor, o desejo, ficam
  guardados na alma com fé.

  Que eu possa estar onde estais,
   tocar o Vosso vento, esperando
   ser parte do todo, sonhando
   o sonho de todos os pais.
A vós filhotes que tenho eu para vos dizer?  O mais difícil é falar no tempo real das coisas. Não quero que a magia se perca, que a dor deixe de se sentir. Que Deus nos dê a sabedoria e a perseverança para o dia-a-dia. Que o futuro seja futuro. Que um dia haja uma história de vida para contarem, ou escreverem, quem sabe, cantada ao som da viola. Que seja uma bonita história para ser contada e que haja quem a escute.    
 

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