sábado, 12 de maio de 2012

Homenagem

Existe uma expressão popular que se usa muito na minha terra: " eu sou do tempo...". Quando alguém usa esta expressão pretende afastar-se no tempo, invocando uma sabedoria que terá adquirido ao longo da sua vivência. Não pretende considerar-se velho, apenas Homem sábio. Não pretendo contestar a expressão. Também a uso. Certa ou não faz parte de uma forma de comunicar, interagir em grupo. De que tempo somos todos nós? Acho que decerto concordará que o Nosso tempo é todo o tempo em que existimos, estamos presentes, fazemos parte, interagimos. Esse tempo é muito mais que o tempo que "somos". Talvez comece no momento em que os nossos progenitores nos sonharam, e talvez não tenha fim.... O que é que realmente somos? De certeza que um pouco de mim está ligado ao milagre da criação da vida. Todos os seres são descendentes: todos menos o primeiro! Quem foi o primeiro? Não quero ir por ai. Quero apenas sugerir que a continuidade da vida é uma sobreposição quase infinita de gerações que vão originando outras. Um pouco à semelhança de uma corda tradicional de ráfia ou outro material natural, em que os filamentos tem um determinado comprimento. O modo como são dispostos permite obter o comprimento que quisermos. Todos eles se vão sobrepondo e antes de acabar um outro já dá continuidade. Acho que posso afirmar que sou um pouco de tudo, de todos os tempos passados, das vivências, de tudo que fui capaz de absorver durante a minha caminhada até hoje. Mas não é só: eu também já sou o que sonho vir a ser, mesmo sem nunca o vir a ser. O sonho, o projecto que vamos arquitectando dia a dia, as conversas que temos com os nossos botões, e que são imensuráveis, as palavras que nunca dizemos, os abraços que nunca daremos, os beijos que nunca colheremos, os olhares que nunca veremos, as caricias que nunca sentiremos, mas mesmo assim de uma forma estranha todos estes sentidos em algum momento nos fizeram rir ou chorar, o corpo arrepiar, a alma estremecer. 
Continuo afirmando que eu sou deste tempo, do tempo em que aqui estou sentado a escrever, do tempo em que alguém leia estas frases. Eu serei do tempo de todas as gerações que eu toquei com o olhar, com a face, com a palavra, e que irão para sempre existir, enquanto se existir....
Tu continuarás a existir, nunca deixaste de existir E sabes bem que eu sou apenas um dos muitos que o afirmam, mesmo sem o dizerem, até sem o saberem. Tenho sempre saudade. Vou sempre, para todo o meu sempre, ter. Ainda continua a ser importante toda a vivência que desde pequenos partilhamos. Gerações diferentes, mas sempre ligados por laços intocáveis, indestrutiveis. A saudade às vezes doí. Não é uma dor má. É apenas uma dor, um sentir mais fundo, um vaguear sentido pelas memórias que guardadas continuaram. Gostava de retribuir um pouco de tudo que me deste, transmitiste, partilhaste, viveste de uma forma tão surreal, tão apaixonada pelo bem estar de todos que te rodeavam. De corpo aparentemente franzino, a força que sentíamos em ti sempre nos marcou. Amigo, mesmo de quem para ti não o era. Engano-me, pensando melhor, hoje acho que nunca achaste que tivesse verdadeiros inimigos, não é? Apenas algumas divergências ou conflito de interesses. A maneira alegre, descontraída com que lidavas e lideravas todas as situações da vida ajuda-me a acreditar numa outra forma de viver. Eu sei hoje que devia ter sido mais teu amigo. Devia ter dado mais de mim. A culpa não é de ninguém. Apenas achamos que a outra parte de tão forte ser não precisa também de algo. O que mais me entristece é não ter a certeza se houve algum momento em que precisaste de mim e eu não estive presente. Eu não sei se aconteceu, mas sinto que deve ter acontecido. Mas às vezes é complicado ajudar quando não nos pedem, quando estamos distraídos e não sentimos o que se passa. Ainda hoje me acontece, e vai sempre acontecer. Se algo de bom eu tenho, devo muito a ti. Sei que Deus tem cuidado bem daquele que cá ficou, de todos os outros que te foram sempre importantes. Gostava muito de um dia reunir o antigo grupo e fazer uma homenagem de reconhecimento publico não só ao amigo mas também ao HOMEM DA NOSSA TERRA. As gerações que tocaste estão gratas. Eu estou-te grato. Não encontrei outra forma de te homenagear, apenas te recordando enquanto estas linhas escrevo. Mais do que descrever o passado, quero apenas lembrar os valores que sempre representarás. Felizes os que são tocados por tão dignificantes valores. A amizade, o respeito, o carinho, o empreendedorismo, a coragem, o caminhar de forma altiva perante tudo na vida: nas alegrias e nas adversidades foste sempre alguém presente, não te renegaste a nada, chegaste sempre à frente sem medo, sem receio, expondo muitas vezes a própria integridade física. Mas estavas tu sempre para tudo, para todos, com todos. Desejo um dia reencontrar-te, quando esse dia chegar.     
                        
 Até sempre tempos de uma guerra calma.
 Até sempre amigos que sempre o serão,
 mesmo os que na santa paz já lá estão.
     
 p.s. - Ao meu eterno amigo "Júlio Domingos"  ou "Júlio Fundões", termo que faz alusão à casa de que somos: ele era da casa " Domingos". Já agora eu sou da casa " da Joana". De onde vem este tipo de apelido é uma outra história, talvez para se contar um dia, quem sabe.... No meu lugar existem muitas "casas". Hoje as casas não tem nome, tem numero.... Vou  hoje mesmo dar um nome à minha casa. Não a quero ver a viver sem nome, sem identidade.  Vou baptizá-la na graça de Deus. Não sei o que lhe vou chamar, mas sem nome  não há-de ficar. Escolherei o mais florido, o mais colorido, de tal maneira que à noite ao Luar faça companhia.(" quinta do passarinho do monte da serra" em homenagem ao vizinho e ao sitio onde está).

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